i gave my life to a simple chord

terça-feira, março 18, 2003

Os livros empoeirados nas caixas.

Ai, as caixas, as malditas caixas. A vida nas caixas. As traças nas caixas. Os brinquedinhos, as coisinhas bonitas nas caixas feias de papel feio e sujo.
As coisas junto nas caixas saindo pra tomar um solzinho.

It's a new dawn, it's a new day, it's a new life for me
And I'm feeling good.

Os livros empoeirados nas caixas ficam para depois.
Junto com todo o resto.

Me sinto bem, apesar de tudo. Acho que acostumei com a minha vida temporária. Nada é definitivo, nunca. Nem casa, nem cidade, nem estado de espírito. A vida temporária em primeira pessoa. Melhor nem acostumar.

Os gatos lá, na clínica veterinária. Não posso mais ver meus filhos naquela situação. Não posso ter meus filhos comigo. Não posso levar meus filhos para o sítio porque lá tem seis gatos. Não posso fazer nada. Posso ter um ataque e esperar que alguém diga "ei, Clarah, eu amo gatos como você e moro na maior casa do mundo, posso cuidar deles para você enquanto estiver sem casa, mas prometo devolvê-los todos limpos e lindos e de coleirinha de strass assim que você puder cuidar deles", mas isso não vai acontecer. Melhor nem cogitar.

Não, eu não vou dar os meus gatos. Assim como não daria o meu filho. Só quem tem gatos entende. Azar o de quem não tem. Azar o de quem não entende nada e acha que todos os gatos passam toxoplasmose para todas as grávidas do mundo e matam seus bebês, malditos desinformados. Todos deveriam ler isso e parar de me encher o saco quando fico acariciando gatinhos nas ruas.

Ai, quanto email. Que bom que sentiram saudades, várias saudades. Eu também senti. E morro de saudade do meu teclado sem j, do meu computador.

Mas é engraçado como qualquer mau humor passa quando meu filho se mexe. Filho, filha, o que for. Não quero saber até o momento em que ele sair do meio das minhas pernas e me disserem o que tem no meio das dele. Não tem nome, só Beanie.
Beanie tá bom.
O Beanie dança quando toca um róque.
O Beanie cansa quando eu faço sexo.
O Beanie está dizendo "ei, mãe, publique aquele texto que você escreveu em Canela"
O Beanie fala "você" porque é paulistano.
.
.
.
num quarto de hotel, encarando as paredes.
eu nunca mais serei a mesma.
uma garrafa de vinho, uns sonhos rolando como lágrimas escada abaixo,
eu nunca mais serei a mesma.
uma bagunça, um monte de memórias perdidas, um monte de planos murchos,
nunca mais, nunca mais.
uma rotina que nunca foi quebrada,
nem questionada,
nem maculada,
nunca mais.
as gatas miandinho na sacada,
o sol se pondo no rio,
a cama dura demais,
as malas prontas,
as cartas tortas esquecidas no banheiro,
as pessoas todas sem entender nada, nada, nunca nada,
nunca mais aquilo tudo,
três dias bebendo na frente do computador,
três dias andando dentro das paredes, sem comer, sem ninguém, falando sozinha,
nunca mais, nunca mais.
nunca mais a minha vida,
nem aquelas garrafas que deixam a boca azul,
os ônibus debaixo da janela,
aquela vida louca, louca, triste, linda,
nunca mais aquela solidão,
eu e os gatos e aquela solidão fazendo sentido,
minha vida latejando,
meu sangue escorrendo,
os vidros rachando com meus gritos de silêncio,
a tristeza em preto e branco colorindo tudo em volta,
a pureza, a doçura, a dúvida, a dor, o peito acimentado,
nunca mais,
nunca mais,
tudo tinha mudado.
agora, meu querido, agora é que são elas.
agora eu quero ver.
.
.
.
Eu quero ver, mas vale.
Só o meu filho se mexendo já vale.
Imagina então rindo gengivas.
Tudo deve valer a pena por um sorriso de gengivas.
O Beanie vale a pena, oh yeah, se vale.
Mas agora é que são elas.

.: Clara Averbuck :. 4:41 PM

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