quarta-feira, setembro 04, 2002
Olha o tamanho do mundo
Ontem eu dei um declaração que será uma espécie de sentença de morte diante do país inteiro. Quando a Mauren Motta, que estava me entrevistando para o Jornal da Globo, perguntou por que os jovens não liam, lasquei "porque os livros que mandam ler na escola são muito chatos. Eu mesma nem li metade daqueles livros" e ainda completei dizendo que a nova geração era muito boa, falei da Livros do Mal, da Ciça, do JP, do Jazzmo. É evidente que os pentelhos patriotas cegos e puristas vão dizer "o quêêê??? Mas essa garota se acha melhor do que o Machado? Do que o Graciliano Ramos? Do que Eça de Queiroz?"
Não é nada disso, meu senhor.
É o seguinte: eu não gosto de metade das coisas que li na literatura brasileira. Desculpe, mas é verdade. Não disse que nada presta, tampouco me acho melhor do que ninguém. Apenas tenho a liberdade e a cara de pau de falar que não tive saco de ler ou não gostei dos clássicos dos outros. Por que eles são clássicos? Quem disse que eles são clássicos? Os acadêmicos? Que fiquem os acadêmicos com seus clássicos e me deixem com os meus, que são os malditos. Lembro que tomei esta posição claramente em uma discussão com uma professora de literatura de um dos 1.323 supletivos que fiz. Ela ficou me enchendo porque eu não tinha lido alguma coisa, um clássico, eu PRECISAVA conhecer, era um clássico, como eu não conhecia? O diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim:
"Professora, a senhora já leu William Burroughs?"
"Não."
"E Paulo Leminski?"
"Não.
"E Hermann Hesse, a senhora leu?"
"Também não".
"Tá certo então."
Eu tinha uns 16, 17 anos e já escrevia, obviamente não tanto quanto agora, mas escrevia. A professora não conhecia nada daquilo. Fiquei puta. Por que eu tinha que conhecer os clássicos dela se ELA, a professora, não conhecia os meus?
Eu gosto do Machado, do Augusto dos Anjos, do Álvares de Azevedo. Gosto da Cecília Meirelles, da Ruth Rocha e da Clarice Lispector. E Luis Fernando Verissimo é rei. Não li nenhum desses livros no colégio, minha mãe que me mostrou o caminho. Ainda preciso ler muita coisa na vida, tenho 23 anos e algum tempo pela frente, que pretendo ocupar devorando livros e vinhos de todas as nacionalidades. E aos que reclamam que só cito autores estrangeiros, faço minhas as palavras de São Paulo Leminski, veja só, um brasileiro e membro da minha Santíssima Trindade, que soube falar disso muito melhor do que eu.
"Como dizem os poetas concretos, a cultura brasileira é periférica pois é um setor da cultura latino-americana que, por sua vez, é um pequeno setor da cultura do Terceiro Mundo. Então, ou você está colonizado ou você está atrasado, se recusar as informações de fora. Um dos nossos intelectuais da Boca Maldita, dito engajado, se recusa a aprender o idioma inglês porque, se assim o fizer, acredita, ficará à mercê de revistas como a Playboy, Newsweek, Times etc. Ele escolheu o atraso, preferindo ser toupeira. Eu optei, estrategicamente, por ser colonizado. Falo várias línguas, principalmente o inglês. Ou seja, eu sou antropofágico."
Com exceção da parte de falar várias línguas, que ainda não é verdade, assino embaixo. Sou colonizada porque o mundo é muito maior do que o Brasil. Me recuso a ler obras que considero chatas e que me dão sono só porque são brasileiras. Não disse que nada é ruim, apenas disse que não gosto. É minha opinião pessoal e ninguém precisa concordar ou discordar. E se alguém achar ruim, que vá sentar em uma toicera. Obrigada.
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
(pl)
.: Clara Averbuck :. 8:51 AM
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