sábado, junho 22, 2002
Must be a way that I can dress to please him
Filthy tight, the dress is filthy.
I'm falling flat and my arms are empty.
Clear the way, better get it out of this room.
A fallen woman in dancing costume.
If you put it on, if you put it on.
(PJ Harvey)
Tenho um vestido vermelho. Comprei no Rio, para comemorar 10 quilos perdidos. Usei duas vezes na vida. E nunca mais vou poder usar.
Estava com ele da última vez. Na casa dele. Na noite em que ele decidiu me tratar mal e chorar por causa da namorada que ia embora. Agüentei quietinha, tentei dar colo, segurar sua mão. Mas sentia que não era querida por lá. Meu único desejo era pegar minha malinha e sumir, desaparecer, ir para casa com o meu gato gordo, apesar de adorar a gatinha nenê dele. Esperanza. Linda, linda, linda. Só tinha dois comandos: morder e dormir. Morder tudo, qualquer coisa que se mexesse ou ficasse parada. Morder, morder, morder. Linda nenê gata. Mas não podia ir embora. É impossível de sair da casa dele sem carro. Então fiquei por lá, me sentindo a última das criaturas jogadas no canto mais escuro do inferno.
Acordamos de ressaca, eu felicíssima por estar ao lado dele. Foram as manhãs mais felizes da minha vida, quando pude acordar e olhar para ele, tê-lo como primeira visão do dia. Ele é lindo demais dormindo. Ele é lindo demais de qualquer maneira. Acordei quentinha, sem saber que ficaria tudo gelado depois. Tudo perfeito, parecia um sonho, um livro, um filme. Ele disse que estava apaixonado. A noite anterior tinha sido foda, cerveja e sexo e suor e meu sorriso na lua. Céus, essas lembranças acabam comigo como se estivessem batendo em meu peito com um martelo de carne. Acordamos felizes, nos beijamos e nos abraçamos e nos lambuzamos. Tomei um banho e botei meu vestido vermelho.
- Você trouxe! Vestido de mexicanazinha...
Sorri. Nas nuvens. Ele sorriu de volta, balançando a cabeça.
- Dona do inferno...
Com essas duas falas, ele roubou meu vestido vermelho. Nunca mais poderei sequer olhar meu vestido sem lembrar dele. Nunca mais poderei usar a droga do vestido sem lembrar que é o vestido de mexicanazinha dele. Vestido da Camilla Lopez.
Ele roubou tudo. Meu vestido, minha alma, minhas melhores páginas. Meu coração na porta de casa, que entreguei ainda batendo - ainda batia, eu não estava morta - naquelas mãos que acreditei que seguraria até o último dos meus dias. Acredito demais. Acredito em tudo que ele me disse, mesmo sabendo que era mentira, que era para me sacanear. Acreditei em tudo e acreditaria de novo, acreditaria em tudo que ele dissesse agora. Que grande filho da puta maravilhoso eu fui arranjar. Ofereceria minha pele para que ele escrevesse suas lindas frases sujas e mentirosas. Ofereceria minha alma para que ele secasse suas lágrimas de amor perdido. Ofereceria meu corpo para que ele usasse e jogasse fora, como um lenço, um pedaço de papel. uma toalha de rosto. Um pano de prato.
É isso que sou agora: um paninho. Um trapinho imundo jogado do lado de fora da porta, para todo mundo pisar. Ele conseguiu reduzir uma mulher de vestido vermelho a um pano sujo na entrada de casa. O primeiro a me deixar no chão.
Cá estou, atirada, inerte, esperando por alguém que consiga me lavar. Porque se for para ser um pano, que seja um pano limpinho. Me sinto imunda agora, tenho vergonha de mim. Ele precisou da minha vergonha para alimentar seu grande ego de filho da puta maravilhoso. Tenho vergonha de acreditar e de assumir tudo isso. Mas assumo. Um pano sincero, veja só você. Esperando pelo próximo a me lavar e me jogar na lama. Esperando. Esperando. Sempre esperando. Espero que um dia eu canse e fique quieta e seca, pendurada no varal. Por enquanto, ainda estou disposta a me sujar.
.: Clara Averbuck :. 11:24 PM
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