i gave my life to a simple chord

segunda-feira, novembro 26, 2001


Para compensar a inutilidade dos últimos posts, aí vai mais um pedacinho de Máquina de Pinball, breve em uma livraria perto de você. Por falar isso, o lançamento que tem amanhã não é do meu livro, tá? Um monte de gente entendeu mal. Amanhã é o lançamento da revista Ficções. Taqui, ó.

Alguns esclarecimentos sobre Máquina de Pinball. Não esperem aí um livro de 300 páginas. Ele é curto, e tem capítulos curtos. E é mentira, mas é tudo verdade.

III.

All the advice I shunned, and I ran
Where they told me not to run, but I sure had fun, so
I’m gonna fuck it up again
I’m gonna do another detour
Unpave my path
And if you wanna make sense
Whatcha looking at me for
I’m no good at math
And when I find my way back
The fact is I just may stay, or I may not
I’ve acquired quite a taste
For a well-made mistake
I wanna mistake why can’t I make a mistake?
Fiona Apple


Então eu me apaixonei irremediável e irreversivelmente. Conheci esse cara que escrevia bem pra caramba, usava óculos de Buddy Holly, tocava guitarra, usava saia e, dizem, pintava os olhos. Interessantíssimo. Flertamos loucamente e estávamos quase efetivando o crime e chegou o amigo dele. E o amigo dele era dez mil vezes mais foda do que ele. E eu me apaixonei pelo amigo dele, caí de quatro, fiquei completamente louca pelo cara. E ele por mim. Lindo. Não consegui mais nem dormir sem a mão dele na minha cintura, sem beijá-lo de manhã quando acordava e fumava o primeiro cigarro. Lindo. E carioca. Então em questão de dias me vi com uma muda de roupa e quatro cds embarcando para o Rio de Janeiro às 5 da manhã. Rio de Janeiro. Isso é longe demais. Ainda não assimilei que agora moro a 1.200 quilômetros da minha casa. Na minha cabecinha o Rio é longe, do outro lado do país, inalcançável, inacessível, quente. E lindo. Pedras e favelas e pessoas brotando de todos os lados. Pessoas feias. E lindas. Parte da paisagem. Entendo todos os gringos que abandonam suas vidas perfeitas em países frios e bem sucedidos para andar sem meias no Rio. O Rio é uma mulata gostosa que fode tão bem que deixa os homens todos loucos e eles largam suas mulheres e filhos e empregos e vão pra lá comer camarão e tomar caipirinha. Lindo. Tudo lindo demais, Gustavo e o Rio e nossos olhos rindo uns dentro outros e nossos beijos macios e nosso sexo perfeito e nosso sono abraçadinho e quentinho na cidade mais linda do mundo. Tudo lindo, tudo indo muito bem. Bem demais, meu sensor de autosabotagem apitou e eu resolvi estragar tudo. Gustavo tinha ficado a noite passada em claro e resolveu dar uma dormidinha enquanto eu encontrava uma amiga que também era linda e macia. Então chegaram os outros. E eu comecei a beber caipirinhas de morango. E foram chegando mais outros e nada dele. Uma hora de atraso. Duas, três. Celular desligado. Cinco caipirinhas de morango. Ninguém em casa. O mundo girando, as ondas batendo na beira da praia, Rio de Janeiro lindo e nada do Gustavo. Então bebi mais, tirei a roupa, caminhei pra dentro do mar e agarrei o amigo dele que não usava saia nem maquiagem coisíssima nenhuma. Agarrei, fodi, dormi junto com o melhor amigo dele. Que amigo. Que papelão. Foi bom. Bela trepada, mas não valia um milésimo de Gustavo. Eu apaixonada só faço merda. Como os amigos dos caras - sim, como, mulheres comem e homens são comidos, sem discussão aqui, até porque você não pode discutir, se fodeu, rá - e choro e vomito e tiro a roupa, um horror.

Volta a fita. Flashback. Dezessete anos. Meu primeiro amor, aquele que sempre dói muito e que me fez chorar e emagrecer dez quilos e perder a dignidade e ficar magrinha e doente e sofrendo debaixo da mesa do meu quarto. Para variar, o alvo do meu amor morava em outra cidade: Maringá, no interior do Paraná. Longe. Puxava os erres e parecia o Chico Bento e se borrava de medo de mim. Mas meu medo é diferente e eu fui lá e nós ficamos e tinha a lua redonda e linda e os olhos dele redondos e lindos e os beijos dele e a barriguinha apertável dele e era ele e eu disse não me deixe nervosa, não me largue, não me mate de raiva nem me peça perdão. E teve uma festa. E ele fez tudo isso. Não posso ir em festa nas circustâncias normais que já faço merda. Ir apaixonada em festa então, fora de questão. Mas fui. Fui apaixonada em uma festa. E a tal festa era em um sítio. Um sítio, percebe? Não tinha como dar certo. Cheguei e me deram essa bebida demoníaca chamada Flor da Montanha que tinha gosto de metanol com borracha queimada e asfalto e óleo. O aviso NÃO TOMA TUDO veio meio tarde, gritado em uníssono pelos nativos depois que virei um copo inteiro. Bastou para que eu passasse mal, rolasse na lama vermelha, fizesse strip, chorasse, me declarasse, tentasse me atirar no poço artesiano, o diabo. Acabei a noite em uma praça com jogadores góticos de RPG que tinham a mais absoluta das certezas que eram vampiros e se penduravam de cabeça pra baixo em árvores tentando ficar confortáveis e acabando roxos. Loucuuuuuuuuuuuura, amizade. E eu deitada no banco da praça chorando e escondendo a cara no colo do meu melhor amigo porque sabia que tinha estragado tudo e que não tinha volta e que eu era uma idiota. Quando acordei, não sabia onde estava. Cadê o Júlio? Foi embora, Camila. O Julio foi embora. Pra sempre. Quando digo que só faço merda quando me apaixono, realmente falo sério. E a merda é sempre proporcional ao tanto que gosto do sujeito. Flashback, dezessete anos, primeira vez que eu disse never fall in love again. Agora não tenho mais essas veadagens. Quero me apaixonar, sim. Para isso que sirvo e é isso que me faz sentir viva.

Eu nunca mais vou conseguir ouvir jazz sem lembrar dele. E quando eu ouvir jazz sozinha vai doer porque vou saber que ele está com outra pessoa ou sozinho. Não importa, ele não vai estar comigo. Dorzinha. Eu queria ele lindo dormindo na minha cama e acordando e acendendo um cigarro. Lindo. Paixão e dor caminham de mãos dadas, mas que se foda a dor. Eu quero ele. Quero ele e só ele agora. Mas agora não dá. Então resolvi dar um pulinho ali em Londres.


.: Clara Averbuck :. 8:24 PM

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