i gave my life to a simple chord

quarta-feira, junho 11, 2003

As drogas, o medo e o meu saco cheio

O Michael Moore é o cara mais chato do mundo. E isso, por incrível que pareça, é bom. O mundo precisa de mais chatos como ele, que questionam tudo, mexem com quem ninguém tem culhão de mexer e ficam dias e dias perseguindo pessoas para conseguir uma palavrinha. Tiros em Columbine é realmente, realmente muito foda. Mas não quero falar do filme. Fui só inspirada por ele.

Porque todo mundo tem medo de sair porque pode ser assaltado. Todo mundo tem medo de tudo, medo de levar um tiro na esquina, medo dos bandidos e da polícia. Medo de enchente, medo de falar, de fracassar, de parecer burro, medo, medo, medo, medo de tudo e de todos o tempo inteiro.

Estava aqui vendo o Fantástico, porque agora eu sou uma grávida que vê Fantástico, e passou uma reportagem sobre a nova campanha anti-drogas, que responsabiliza o consumidor pelo poder e fortuna do tráfico. Apelativa até doer. Hipócrita até o osso. Se o Brasil fosse um país correto, eu até concordaria, só e somente só os usuários seriam culpados e isso bastaria para que o problema acabasse. Mas eu mesma já comprei drogas da polícia no Rio de Janeiro. Da polícia. A polícia é tão ruim quanto os traficantes. Boa parte dos políticos também. Pode-se dizer que a merda vem de todos os lados. Culpar os usuários não vai ajudar em nada, além de aumentar o medo geral. Começaram mal, muito mal. Sempre estão procurando um cristo para crucificar e dizer "a culpa é sua, você está cagando tudo, seu burro incompetente". E agora vai todo mundo ter pavor e pânica de usar drogas, porque elas são as grandes vilãs da nossa maravilhosa sociedade perfeita. Arrã.

Na Primavera dos Livros teve um debate sobre drogas. Quase fui linchada pelas velhinhas, que não conseguiram compreender meu ponto, que era o seguinte: usar drogas não significa que você vai invariavelmente virar um junkie e vender a televisão e as jóias da vovó para sustentar o vício. Você pode perfeitamente usar drogas e ser uma pessoa normal, ter filhos e família e trabalhar, assim como quem toma um uisquinho no fim de semana ou uma cerveja no fim do dia. As drogas não arruinam a vida das pessoas. As pessoas é que arruinam as próprias vidas e precisam de algum culpado para sua desgraça, incapazes que são de assumir suas fraquezas. É como naqueles programas evangélicos onde as pessoas decidem que têm um "encosto" e que a culpa de toda a desgraça é do encosto, a culpa dos namoros não darem certo e do chefe pegar no pé e do marido beber é do encosto. Nunca da pessoa, nunca do marido ou da própria incompetência. Cada um arruma a desculpa que pode para livrar a própria cara. A coisa mais fácil do mundo é botar a culpa nas costas de outro, qualquer outro, mesmo que ele não exista. Mesmo que seja abstrato. Um "encosto".

Tem também o outro lado, que é o que tentaram acertar nessa campanha idiota, da culpa cristã, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, e ficar olhando para o chão e dizendo "é minha culpa, eu não presto, eu devo morrer". Todo mundo erra, todo mundo faz cagada, ninguém é imbatível. O problema todo é que as pessoas são criadas para serem imbatíveis, belas, robustas, inteligentes, indestrutíveis e sem espinhas . Talvez por isso tentem jogar a culpa nos outros. Assumir não significa ser dominado pela culpa. E não significa também que o traficante vai matar a mãe do cara que fumou um no quarto pra relaxar. Tenha dó. Só serve pra criar mais pânico.

A realidade não é tão assustadora quanto vendem. É como colocar uma lente de aumento em uma pústula, mostrar o pus e dizer que o mundo está inflamado e que vamos todos morrer e é nossa culpa. O mundo tem problemas? Sim, tem. Os traficantes matam pessoas? Sim, matam. A polícia mata pessoas? Sim, também mata. As pessoas normais matam outras pessoas normais? Bem, isso também acontece. E de quem é a culpa? Sei lá. não estou aqui para apontar o dedo na cara de ninguém. Qual a solução? Não faço a mais puta idéia. Tudo que eu sei é que nada é tão feio quanto a televisão mostra.

É claro que vão me entender mal. É claro que vão achar que estou fazendo apologia às drogas e defendendo o meu, só porque sou uma declarada usuária, ou pelo menos era, antes de ficar grávida. Mesmo que minha droga preferida fosse comprada com receita azul na farmácia e não na esquina escura de um sujeito feio e sujo. É claro que vão entender o que quiserem para poder meter o pau. Claro, porque ninguém falou nada da campanha anti-drogas. Deve ser medo. O medo move o mundo hoje em dia.

.: Clara Averbuck :. 12:43 AM

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