quarta-feira, junho 11, 2003
Meu amigo Bandini
Eu estava morrendo de ciúme do Fante. Do Pergunte ao Pó e dessa reedição com desnecessária tradução nova. De todas essas pessoas mexendo nas minhas entranhas, como se tivessem me trinchado e aberto meu tórax inteiro e agora ficassem fuçando nas minhas tripas, puxando meu estômago para fora com mãos imundas e dizendo " oh sim, claro, o Fante", e é do meu Fante que eles falam, do meu Arturo, do cara que é tão sagrado que ninguém mais deveria tocar nele para não macular sua santidade de escritor. Não de qualquer escritorzinho, não de um carinha que era advogado e escreveu um livrinho aí por acaso, é o Fante, grande escritor Fante que poderia ter escrito muito mais se não tivesse entrado no negócio sanguessuga do cinema e escrito um monte de roteiros de filmes ruins por um monte de dinheiro. E o filho dele me escreveu um dia, quando mandei um pedaço traduzido do meu livro que falava dos dois, e ele me disse "Clarah, continue escrevendo, o resto é bobagem". O resto era bobagem. Parei de trabalhar umas semanas depois daquilo, as palavras do Dan Fante ecoando na minha cabeça, "keep writing, the rest is bullshit". Fui lá e terminei meu livro e disse foda-se, nunca mais vou trabalhar. E nunca mais vou trabalhar mesmo, nunca mais vou acordar e trabalhar, não importa se vou ter um filho, não importa se me oferecerem o trabalho mais foda do planeta, o resto é bobagem, escrever é o que importa. Nada de cinema, nada de televisão. Uma coisinha aqui, outra ali, tudo bem, mas nada de trabalhar e vender o tempo para não acabar cega e com as pernas desbastadas em um hospital, ditando meu último livro porque era o único jeito de escrever e recuperar o tempo perdido. Não, nada disso. Escritor é escritor. A única coisa que vou ser em toda a minha vida. Então eu estava morrendo de ciúmes do Fante e do Pergunte ao Pó que vi hoje e folhei e não concordei com a tradução. Desculpe, mas o Leminski foi impecável e só um escritor pode traduzir outro escritor quando é assim, e tem que ser no mínimo tão bom quanto o original, ou então mergulhar naquilo como se fosse a única maneira de se salvar do mundo onde ninguém entende nada. Tem que sangrar junto pra não tirar a alma do livro, não dá pra encarar um livro desses como "trabalho". Então eu estava odiando o mundo e todos os 2.443 emails que recebi me mandando resenhas do livro e comentários e pessoas falando, falando, falando do meu Fante, meu velho Fante.
Agora, agora mesmo, enquanto escrevo isso, tenho o prólogo do Pergunte ao Pó na minha cara, e estava relendo, e vi como eu sou uma babaca de ter ciúme, porque tudo que o Fante queria era isso, todo mundo falando, os jornalistas perguntando, os flashes pipocando, "Um dia, vocês pessoas, seus grunhidores-de-ãrrã, esses degraus badalarão com minha memória, e além daquela noite naquele muro alto haverá uma placa de ouro, e sobre ela um busto - a imagem do meu rosto. Estou sozinho agora? Pfff! Minha solidão traz frutos, e haverá uma Los Angeles de amanhã para lembrar que uma voz escalou esses degraus", e é isso que acontece agora, não em Los Angeles mas em São Paulo, no Rio de Janeiro, em todos os lugares, todos sabem quem ele é, quem ele foi, quem ele é porque escritores não morrem e o Arturo Bandini sempre terá vinte e poucos anos e vai viver para sempre nos corações que forem tocados por ele. Parei de ter ciúmes. Leiam todos, comentem, mas por favor, não comentem comigo, vou me sentir como se estivessem me contando como é bolinar minha própria mulher. E de preferência, leiam a tradução original, arrumem, peguem emprestado, encomendem em sebos, peçam aos amigos, xeroquem, sei lá. Vale a pena, porque é absolutamente impecável.
E o Fante, querido Fante, deve estar brilhando de satisfação agora, que nem eu estou, por ele. Te amo, meu velho. Um dia eu ainda vou te dar um abraço.
.: Clara Averbuck :. 12:55 AM
Até 10 de agosto
As costas doem. A vida de grávida cansa. Carandiru é uma bosta.
Achei que seria diferente, que escreveria um diário grávido, que de fato comecei, mas nunca passei do primeiro dia. Achei que leria todos os livros que faltavam, que mudaria para uma casa ensolarada com todas as minhas coisas em ordem e um certo lugar para o Beanie, os gatos disputando espaços com ele e com o sol. A música nas caixas, os discos nos lugares, os livros todos juntos. Achei que ficaria calminha em casa, lendo e escrevendo.
A casa é uma maçaroca das minhas coisas com as do Marcelo e as do Beanie, não tenho mais disposição de ficar limpando nada, como tinha com as outras casas. Esta não era para ser minha casa, mas acabou virando. Então tem um ar temporário, e é muito pequena, e não cabem todas as coisas, e o fogão ainda não foi ligado, vivemos de um forninho e um esquentador de acampamento. Já faz 7 meses que estamos aqui e nada acontece. Minha inspiração foi sugada pelo útero, minhas noites já não são as mesmas. Às vezes as vozes da insanidade me visitam, e às vezes não consigo mandá-las embora, então eu fico louca. Mas passa. Já disse que escolhi chocar. E essa vai ser minha maior criação.
O Beanie se mexe muito. Não engordei quase nada, tenho novas estrias que coçam. Todo mundo tem um conselho inútil para dar, todo mundo fala que agora é que vai piorar, mas nunca piora e falta só dois meses. Meus pés não incharam, não fiquei com papada, só tive uma variz, que nem existe no singular. Não vomitei em ninguém, tive alguns poucos desejos e fiquei viciada em suco de tomate. Saí normalmente, bebi um pouco, fumei um pouco e meu filho continua lindo e perfeito. Essas mães que param de respirar porque engravidaram e vivem de fazer enxoval, elas me dão pena, porque em algum momento, jogarão toda a frustração em cima dos filhos, que nada têm a ver com isso e terão que freqüentar psicólogos por causa das mães loucas. Pessoas que param de viver só para serem mães não são normais. Gravidez não é doença. Não significa perder a vida e a juventude. Só se você quiser, e eu não quero.
Finalmente entendi que minha vida não vai voltar a ser o que era. Mesmo antes do Beanie, eu ficava querendo que a vida fosse como quando morava com um amigo na Vila Madalena, depois como quando morava sozinha na Vila Mariana, ou quando bebia quatro dias a fio sem dormir, só escrevendo, ou quando passava noites fora de casa, de férias. O presente nunca me satisfazia. É tão fácil romantizar o passado, as coisas ruins ficam tão pequenas que quase não dá para lembrar. E eu vivia querendo voltar. Agora eu quero agora, a barriga mexendo, cada dia maior, cada dia que nunca mais vai voltar e que eu vou lembrar com gosto, os dias em que o Beanie foi Beanie e morava em mim.
Achei que seria diferente. Não costumo fazer planos, aliás, continuo não fazendo. O Beanie vai nascer em algum dia de agosto e ainda não temos nome e nem berço e nem espaço. Mas achei que seria diferente. Assim não é perfeito, mas do outro jeito eu moraria sozinha. Por um lado, seria ótimo. Por outro, uma bela merda. Não é hora de solidão. Agora eu quero dividir tudo, porque o Beanie é só metade meu. E apesar da falta de espaço, da falta de grana, da falta de roupas que me caibam, era exatamente assim que tinha que ser. Inclusive a parte do semi-abandono do brazileira!preta. Estou mudando meus métodos, porque minha vida também mudou. Nada que fica igual muito tempo é bom. E não adianta bater o pé por causa das mudanças. Quando elas têm que acontecer, nem pílula impede. Então agora é assim. Tenho outras coisas a fazer, uma vida que nunca vivi. A anterior está aí, para todo mundo ver, para quem quiser escavar meus arquivos, para quem quiser ler meu passado. O futuro está lá na frente, e o presente é silencioso. Pelo menos agora. A vida é uma puta louca e imprevisível, nunca dá pra saber o que vai acontecer amanhã quando você abrir os olhos. Por isso que vale. Senão seria uma vida de merda.
.: Clara Averbuck :. 12:46 AM
As drogas, o medo e o meu saco cheio
O Michael Moore é o cara mais chato do mundo. E isso, por incrível que pareça, é bom. O mundo precisa de mais chatos como ele, que questionam tudo, mexem com quem ninguém tem culhão de mexer e ficam dias e dias perseguindo pessoas para conseguir uma palavrinha. Tiros em Columbine é realmente, realmente muito foda. Mas não quero falar do filme. Fui só inspirada por ele.
Porque todo mundo tem medo de sair porque pode ser assaltado. Todo mundo tem medo de tudo, medo de levar um tiro na esquina, medo dos bandidos e da polícia. Medo de enchente, medo de falar, de fracassar, de parecer burro, medo, medo, medo, medo de tudo e de todos o tempo inteiro.
Estava aqui vendo o Fantástico, porque agora eu sou uma grávida que vê Fantástico, e passou uma reportagem sobre a nova campanha anti-drogas, que responsabiliza o consumidor pelo poder e fortuna do tráfico. Apelativa até doer. Hipócrita até o osso. Se o Brasil fosse um país correto, eu até concordaria, só e somente só os usuários seriam culpados e isso bastaria para que o problema acabasse. Mas eu mesma já comprei drogas da polícia no Rio de Janeiro. Da polícia. A polícia é tão ruim quanto os traficantes. Boa parte dos políticos também. Pode-se dizer que a merda vem de todos os lados. Culpar os usuários não vai ajudar em nada, além de aumentar o medo geral. Começaram mal, muito mal. Sempre estão procurando um cristo para crucificar e dizer "a culpa é sua, você está cagando tudo, seu burro incompetente". E agora vai todo mundo ter pavor e pânica de usar drogas, porque elas são as grandes vilãs da nossa maravilhosa sociedade perfeita. Arrã.
Na Primavera dos Livros teve um debate sobre drogas. Quase fui linchada pelas velhinhas, que não conseguiram compreender meu ponto, que era o seguinte: usar drogas não significa que você vai invariavelmente virar um junkie e vender a televisão e as jóias da vovó para sustentar o vício. Você pode perfeitamente usar drogas e ser uma pessoa normal, ter filhos e família e trabalhar, assim como quem toma um uisquinho no fim de semana ou uma cerveja no fim do dia. As drogas não arruinam a vida das pessoas. As pessoas é que arruinam as próprias vidas e precisam de algum culpado para sua desgraça, incapazes que são de assumir suas fraquezas. É como naqueles programas evangélicos onde as pessoas decidem que têm um "encosto" e que a culpa de toda a desgraça é do encosto, a culpa dos namoros não darem certo e do chefe pegar no pé e do marido beber é do encosto. Nunca da pessoa, nunca do marido ou da própria incompetência. Cada um arruma a desculpa que pode para livrar a própria cara. A coisa mais fácil do mundo é botar a culpa nas costas de outro, qualquer outro, mesmo que ele não exista. Mesmo que seja abstrato. Um "encosto".
Tem também o outro lado, que é o que tentaram acertar nessa campanha idiota, da culpa cristã, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, e ficar olhando para o chão e dizendo "é minha culpa, eu não presto, eu devo morrer". Todo mundo erra, todo mundo faz cagada, ninguém é imbatível. O problema todo é que as pessoas são criadas para serem imbatíveis, belas, robustas, inteligentes, indestrutíveis e sem espinhas . Talvez por isso tentem jogar a culpa nos outros. Assumir não significa ser dominado pela culpa. E não significa também que o traficante vai matar a mãe do cara que fumou um no quarto pra relaxar. Tenha dó. Só serve pra criar mais pânico.
A realidade não é tão assustadora quanto vendem. É como colocar uma lente de aumento em uma pústula, mostrar o pus e dizer que o mundo está inflamado e que vamos todos morrer e é nossa culpa. O mundo tem problemas? Sim, tem. Os traficantes matam pessoas? Sim, matam. A polícia mata pessoas? Sim, também mata. As pessoas normais matam outras pessoas normais? Bem, isso também acontece. E de quem é a culpa? Sei lá. não estou aqui para apontar o dedo na cara de ninguém. Qual a solução? Não faço a mais puta idéia. Tudo que eu sei é que nada é tão feio quanto a televisão mostra.
É claro que vão me entender mal. É claro que vão achar que estou fazendo apologia às drogas e defendendo o meu, só porque sou uma declarada usuária, ou pelo menos era, antes de ficar grávida. Mesmo que minha droga preferida fosse comprada com receita azul na farmácia e não na esquina escura de um sujeito feio e sujo. É claro que vão entender o que quiserem para poder meter o pau. Claro, porque ninguém falou nada da campanha anti-drogas. Deve ser medo. O medo move o mundo hoje em dia.
.: Clara Averbuck :. 12:43 AM
terça-feira, junho 10, 2003
Aparentemente, o post abaixo consertou o pau do blogger. Que bom.
.: Clara Averbuck :. 2:12 PM
O que está acontecendo aqui? O que são todas essas interrogações? Parto na água é legal? Por que pêlos encravam?
.: Clara Averbuck :. 2:08 PM
segunda-feira, junho 09, 2003
Só pra avisar, eu não respondo perguntas sobre blogs. Eu não dou entrevistas sobre blogs nem participo de trabalhos de faculdade sobre blogs. Eu simplesmente não agüento mais essa baboseira de blogs. Chega. Blog não passa de um meio de publicação. O autor do blog, dono e soberano do blog, faz o que bem entender com seu blog. Não existe literatura de blog. Não existe escritor de blog. Blogueiro não é escritor. Escritor não é blogueiro. Não existe escritor de blog. Existe blog enquanto meio de publicação para um escritor. Escritor é escritor. Escritor não é blogueiro. Não sei nada sobre o fenômeno blog. Sequer acho que seja um fenômeno. Nunca mais respondo nenhuma pergunta sobre blog. Por favor, não me incomodem com essas coisas. Sou uma grávida tensa, isso não faz bem. Sem mais,
.: Clara Averbuck :. 4:10 PM
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