quinta-feira, janeiro 16, 2003
Eu odeio cybercafes.
Beep - o tempo acabou.
.: Clara Averbuck :. 4:14 PM
The last bus
Eu vou pegar o último ônibus para os seus braços, baby. Eu já vou, já chego, prometo que é rápido, meu querido. Vou correndo quando você me chamar, quando me quiser, eu vou. Quero te levar um pouquinho de paz e umas manhãs que encontrei no bolso da mochila. Quero te mostrar como ficou linda a cicatriz que você me deu naquela noite, junto com aquele copão de amargura que eu bebi num gole só. Deitar ao seu lado, finalmente em paz, e esperar o dia estúpido cair lá fora até virar manhã de novo, até o sol nascer atrás dos prédios, no horizonte que não temos aqui, minha mão na sua barriga, minha alma na sua boca, meu coração nos teus dedos. E será tarde, muito tarde, quando dormiremos juntos, os gatos aos pés da cama, as latinhas na cabeceira, a luz se enfiando pelas frestas da janela, tarde demais, cedo demais, os barulhos entrando, os olhos fechando, tarde demais, meu querido. Todo o tempo do mundo acabou. Tarde demais.
.: Clara Averbuck :. 4:13 PM
Boa noite
Faz tanto tempo que mal posso acreditar que realmente te beijei algum dia. Que te esperei em alguma esquina com alguma lata de alguma coisa e você veio no seu carro e nós nos beijamos, sim, é verdade, eu lembro desse beijo, você rindo como um menino e eu tão feliz, com tanta saudade, completamente cega, completamente sua, sem saber que seria nossa última vez, que você já tinha escolhido tudo, matado tudo, botado aquele veneno no meu copo, pronto para acabar com tudo. Aquela bebida tão doce, tudo tão lindo e BANG!, você fechou o caixão e me enterrou bem fundo. E eu dormi e acordei quando abriram a tampa, e vi todas aquelas coisas bonitas que você nunca me deu, todas aquelas flores e aquele ar e aquela luz. Mas lá estava você, sempre você, que agora já não sei mais se existiu ou eu inventei, espera, existiu e eu inventei, ficção travestida de realidade fantasiada de ficção, sonho pesadelo que volta e volta e nunca vai embora. Então eu vou dormir, porque só assim você volta pra mim, my darling. Com os anjos e os demônios, volta pra mim. Boa noite nesta manhã de sábado.
.: Clara Averbuck :. 4:13 PM
esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem
p.l.
O ônibus do terror
Bom, eu estava no Rio.
Meu namorado me abandonou na segunda, voltou de carro. Que, diga-se de passagem, só deu incomodação. Depois perguntam porque eu não tenho um. Não tenho, não quero e nem sei dirigir, pra falar a verdade. Depois de dias parado em uma esquina de Copa, o pobre corsinha foi rebocado. Depois de pagar o resgate, ele, o namorado, voltou sozinho e quase morreu na estrada. Fiquei um dia a mais para uma reunião de negócios, quem diria, não é? Mas foi. Na noite anterior, Maldita - a festa, onde descobri que olfato de grávida não combina com locais fechados com gente suando e cigarro. Rapaz, eu e o Beanie não conseguimos ficar lá mais de duas horas, logo isso, logo eu com minha ex-carteira de Luckies por dia, logo eu não consigo mais sentir cheiro de cigarro, não posso suportar aquele cheiro no cabelo, aquela fumaça na pele, yuk yuk yuk. Voltei cedo, bebi pouco, fumei quase nada, nesta
nova vida sóbria, temporária e estranha. E não encham o saco porque o Doutor me disse que eu posso continuar bebendo minhas cervejas e meus vinhos moderadamente, assim como disse que prefere que eu fume dois, três cigarros por dia do que fique neurótica. E eu acredito no Doutor.
Mas eu ia contar da viagem.
Foi tudo planejado para que eu tivesse a pior viagem da minha vida. Comprei passagem para o último ônibus, todo direitinho, cheio de coisas para apoiar as pernas e comidinhas e bebidinhas e travesseiro e filminho, pouquíssima gente, cada um esparramado em dois bancos, o ônibus quase saindo, eu já botando as pernas para cima do banco quando surge aquela pessoa. Ele caminha pesadamente, suado da pressa para não perder o último ônibus, e eu soube naquele momento que o lugar dele era ao meu lado. Bem devagar, ele caminha, caminha, passo de elefante, pára. Olha o bilhete, olha a poltrona ao lado da minha. Bloft. Abanca-se e me amassa no cantinho. O sujeito tinha uns 150 quilos, mais ou menos. E cheiro de queijo com bergamota. Meu estômago se encolheu no lado oposto ao sujeito. Beanie, lá dentro, tampou o nariz e fez uma careta. O horror, o horror. O Gordo ocupou todos os espaços possíveis, meus e dele, enquanto eu tentava espremer minha barriga cheia de meses contra a janela, lembrando da velha máxima do sábio Calvin: nada é tão ruim que não possa piorar. Grande Calvin.
Em dez minutos de estrada o Senhor Gordo dorme. E ronca. Mas não era um ronco assim, ignorável. Era o pior ronco que já vi na minha vida. Sim, porque dava pra ver. Ele parecia querer engolir toda a cara, aspirar os dentes e englobar o nariz. Um pesadelo de verdade, e ele fedia. Tentei prestar atenção no filminho besta que passava, mas era humanamente impossível com aquela usina de roncos babando ao meu lado.
Ainda havia uma esperança. Triunfante, saquei BRMC e meu discman, companheiros de estrada e... ele estava sem pilhas.
Pânico.
Desespero.
Lágrimas.
Tentei recorrer a algodões nos ouvidos, enrolei o cobertor na cabeça, improvisei um fone com com o travesseiro, mas nada adiantou. Nada. Não dormi (impossível), não li (requer concentração), não vi a estrada (estava escuro), não respirei pelo nariz (o cheiro do Senhor Gordo, aliado ao do banheiro, era o algoz das grávidas). Ainda tentei dar uns chutes, uns cotovelaços no cara, fingindo ter um sono agitado, dando uns pinotes pra ver se ele se tocava. Nem tomou conhecimento. Só me restou sofrer, praguejar e dar com a cara na janela, em desespero. Seis horas de martírio. Se eu acreditasse em pecado e absolvição e redenção e essas coisas, teria certeza que minha alma estava salva. Seis horas de sofrimento.
Nunca fiquei tão feliz de chegar em São Paulo. Da próxima vez, vou com o namorado e rodopio na estrada. Ou fujo para o bagageiro quando alguém sentar ao meu lado.
.: Clara Averbuck :. 4:11 PM
terça-feira, janeiro 07, 2003
Adeusinho a essa vista linda de Copacabana, aos meus amigos, a toda a inspiração que o Rio me traz, mesmo com esse cheiro de lixo nas ruas, mesmo com esse calor que me derrete os poros. O Rio pode ter os defeitos que quiser, mas é a única cidade desse país que me mata de saudade.
Tchau, Rio. Vou sentir a sua falta.
.: Clara Averbuck :. 6:10 PM
segunda-feira, janeiro 06, 2003
Lady Murphy e o pé de feijão
Tinha essa menina, amiga minha desde que nasceu, a Florisbela. Ela amava a boemia, as drogas, a putaria e todas essas coisas que vêm junto com o rock. Anos e anos se passaram e ela lá, firme. Mudou de cidade, mudou de casa umas cem vezes, de tabaco, de cor de cabelo, de manequim, mas nunca mudava de vida, sempre no limite, sempre nos excessos, sempre cambaleando por causa da vódega com um cigarro torto na boca. Até que Murphy, que regia a vida da menina, disse "chega. Vou ter que acabar com isso, ela não pode morrer agora. Esteatose hepática nela!"
Mas não adiantou. Ela descobriu que era só parar com a vódega e continuar com a cerveja e o vinho. E assim passaram os meses, com Murphy lá, coçando o queixo e pensando no que poderia fazer para impedir a auto-destruição de Florisbela.
Tentou fazê-la engordar por causa do álcool, mas ela emagreceu e voltou a beber.
Tentou deixá-la miserável e sem dinheiro para bebida e cigarros, mas ela tinha amigos.
Tentou arrumar um namorado para ela, mas ele era dono de um bar e só piorou.
Até que ele teve a genial idéia de mandar-lhe um rebento. Murphy sabia que Florisbela não faria um aborto -- apesar de achar que cada um cuida do seu útero como bem entender, ela não gostava da idéia de arrancar um filho de onde ele estava, ainda mais quando era a mistura dela com o cara que ela amava, não, não e mil vezes não. Florisbela teria o filho e pronto. E assim fez Murphy.
Florisbela, então, percebeu que não deveria mais fumar nem beber nem usar droguinhas, porque o Beanie (que era como ela e Marc Bolan, seu namorado, chamavam o rebento, porque ele parecia um feijãozinho) não tinha nada a ver com os excessos dela, nem com as bebedeiras, nem com o tabagismo.
E Florisbela passou a beber bem pouquinho e fumar menos ainda.
E Florisbela passou a comer coisas saudáveis.
E Florisbela passou a encher a cara de chá.
E Florisbela começou a notar que seus peitos eram os maiores do mundo e sua barriga estava gigante.
E Florisbela estava muito feliz com isso tudo e ficou pensando em escrever histórias infantis, como a de Joo, o Gato Ciumento.
E Florisbela decidiu passar a gravidez inteira lendo tudo que não leu e tudo que leu e escrevendo tudo que não escreveu nos últimos meses.
E Florisbela bradou ao vento: "fofoqueiros, enfiem um dedo no cu e rasguem, pois sim, eu estou grávida, e sim, estou feliz, e não, não serei junkie durante a minha gravidez, e não, jamais faria um aborto, então cuidem de suas vidas e em vez de fofocarem pelos cantos, me mandem roupinhas de bebê ou depósitos em dinheiro!"
E foram todos felizes para sempre, mommie, daddie, Beanie, os quatro gatos e a pimenteira, até a próxima crise.
* Os nomes foram mudados para ninguém perceber que estou falando de mim mesma
.: Clara Averbuck :. 7:21 PM
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