i gave my life to a simple chord

sexta-feira, novembro 22, 2002

Tem umas coisas que me acontecem, viu, que nem os Irmãos Marx seriam capazes de inventar.

.: Clara Averbuck :. 6:50 PM

Eu, você e a Pangea rachada
Para o mesmo de sempre, o de antes

Nunca mais vou acreditar em uma palavra saída desses seus dedos sujos, sejam elas roubadas ou aquelas de espuma branca que só você sabe fazer. Nunca mais.
Nunca mais quero ouvir a sua voz, te ver, te ler, te lembrar. Nunca mais quero ser sua amiga e ouvir o amargor de menino cristão, nunca mais quero te dar ombro quando você disser que está sem amor. Não quero, não quero, não vou.
Nunca mais, nunca mais, nunca mais.
Não mais amantes há tempos, agora, não mais amigos, não mais nada, nada, não.
Nunca mais vou ter paz. Não existe paz, só o meu cérebro fervilhando, entrando em erupção por cada fio de cabelo, cada poro, cada gota de suor.
E só você entendia.
Ou fingia entender.
Ou eu, idiota, inventei que você entendia porque tinha inventado tudo sem saber sobre a cordinha na sua mão.

A maior invenção do mundo até me puxar descarga abaixo.

Não vou te mandar me esquecer porque você já esqueceu.
Não vou te mandar sumir porque você já sumiu, sem adeus, sem uma carta, aviso prévio, bilhete suicida. Nada, simplesmente sumiu no silêncio do telefone mudo.
Eu já sabia.
E o pior, querido, é que você entendeu tudo errado.

Puxa a descarga mais uma vez, puxa com força e enfia sua cabeça lá dentro, deixa a água correr e tenta entender direito na próxima vez.

Você só perde.
Azar. Seu, meu, do resto do mundo.
Eu já sabia.
Você estraga tudo, tudo, tudo.
Obrigada por estragar tudo.

De novo. Do mesmo jeito covarde, aquele silêncio mentiroso que mata. Não saber mata. O silêncio é uma espécie de mentira. Prefiro um tiro no peito, o sangue jorrando e o mundo se esvaindo do que a dúvida me corroendo.

Você estraga tudo.

Mas foda-se.

Não quero mais brincar com você. Nunca mais. Devolve a minha bola, meus brinquedos, meus livros, meus discos e minha pulseira de dadinhos que eu esqueci na sua casa da última vez, antes da Pangea rachar.

Ainda bem que essa foi a última vez que eu tinha pra te dar.

.: Clara Averbuck :. 6:42 PM

Postcard from a lost writer in the big city
descaradamente baseado em Christmas card from a Hooker em Minneapolis, do Tom Waits, e escrito pelos meados do passado recente, mas nem tanto

Oi Sammy.
Agora eu tenho um emprego
E algum dinheiro,
E meu livro está vendendo bem.
Minha casa tem vista para os prédios
E às vezes dá pra ver o sol se pondo,
E a luz entra por todos os lados
Iluminando todas as manhãs.

E eu tenho uns livros que queria te mostrar,
E alguns discos que queria que você ouvisse,
E uns outros poemas que queria te ler,
E um quadro do Hopper na sala, você ia gostar.

Não ando bebendo tanto,
Ando fumando bastante.
Dei um tempo nas droguinhas
E as noites têm sido lindas e cheias de róque.

Às vezes me perguntam de você,
E eu sorrio e conto que somos amigos.

Estou apaixonada, Sammy.
E ele me ama e cuida de mim
E me leva no médico quando fico doente,
E não larga minha mão nem quando eu mando.
E ele tem um cachorro simpático,
E eu tenho todos aqueles gatos,
E às vezes brigamos como eles brigariam.

Mas eu tenho um saco de pancadas
Então ele apanha das minhas luvas e tudo fica bem.

Tenho uma foto nossa na minha mesa,
Que pintei com delineador para desaparecer as outras pessoas.
Nós dois estamos sorrindo meio de lado,
E estava tudo tão bem.
E quando ele viu a foto
E disse "he's not good enough for you"
E eu disse que sabia.
E que você também sabia.
E que não importava mais.

Ah, Sammy, quer saber?
Nem é tudo verdade.
Preciso ir embora da minha casa,
Não consigo dormir com o sol na minha cara,
E ganhei um monte de dinheiro mas dei a descarga em tudo,
E ando bebendo mais do que nunca,
E passando mal,
E não consigo comer,
E meus braços estão roxos das picadas,
E eu sinto a sua falta, Sammy,
E tudo que faço, penso se você gostaria.

E sabe, Sammy,
E eu sei que você sabe,
Jamais conseguiremos atirar o amor pela janela.
Porque não há fim,
Não há início,
Há apenas a infinita paixão da vida.

.: Clara Averbuck :. 6:41 PM

Então.
Eu não tenho internet em casa, já disse.

Chega, chega de perguntas.

.: Clara Averbuck :. 6:37 PM

terça-feira, novembro 19, 2002

Voltei.
Calor e poluição. Trânsito e bagunça e gente, gente, gente.
Nenhum céu.
Olá, Sampa. Eu gosto de você.

.: Clara Averbuck :. 3:15 PM

Rockaway beach

Estou na praia, em lua de mel - literalmente -, sem fumar a três dias, tomando sol, não bebendo e não fazendo nada de errado. Preciso voltar logo para São Paulo ou acharão que fui abduzida e substituída por uma cópia barata e comportada da minha própria pessoa.

Na verdade, acho que fui mesmo.

Se fosse eu, como explicar essa falta de cabelo? Sim, porque eu não tenho mais cabelo. Acabou o cabelo. Não é mais rosa. Não tem mais franja caindo no olho. Não tem mais nada, cansei e cortei tudo com gilete sensor. Pareço um menino, tipo acordei-levantei-sou-descabelada-e-feliz. Batizei o corte de out of bed. Isso porque meu cabelo andava legal demais, então eu tinha que estragar tudo para poder reclamar até que a franja chegue no queixo de novo. Minha vida capilar consiste nisso, sabe. Esperar chegar onde quero e depois cortar, estragar tudo e reclamar até chegar onde quero de novo.

Ei, acabei de descrever minha vida sentimental.

Por falar nisso,
e o Vida de Gato?

Vai bem, obrigada. Agora estou sendo escritora e mexendo nele. Doeu demais pra sair, não vou deixar assim, descabelado e malvestido. Preciso dar um trato no menino, aparar umas vírgulas aqui, depilar uns parágrafos ali, esticar a coluna de umas frases e trocar a cor de outras. Ele pede, ele quer. O Máquina não quis nada disso, maldito adolescente rebelde, saiu de casa sem tomar banho nem se pentear, usando um all star vermelho, uma calça furada e camiseta de banda velha, ouvindo punk rock no discman. Adolescente é assim mesmo, eu é que não ia ficar sendo uma mãe repressora.

Olha esse meu ombro dourado. Tsc, tsc. Chegar em São Paulo e comprar um esfregão pra tirar essa cor saudável de mim. E uma peruca, porque viver sem cabelo no olho é muito esquisito. Perucas devem ser caras, então acho que simplesmente vou comprar uma franja. Ou pedir em um cabelereiro desses, deve ter alguém que corta o cabelão e deixa as madeixas lá pelo chão, atiradas e abandonadas. É só prender com um grampo e tirar pra dormir, o que seria bem prático, porque eu não vou acordar com um ninho de miojo caindo enozado na minha testa. Posso até comprar uma peruca black power e resolver meu complexo de branquela. Perfeito.

Não, não é perfeito.

Acho que odiei meu cabelo. E agora?

Estou em crise. Vou começar a me achar gorda (eu sou), nariguda (eu sou) e vesga (eu sou um pouquinho) e com um cabelo horrível (eu estou).

Olá, eu sou mulher, igualzinha a todas as outras, alguém aí ainda tinha dúvidas? Por favor, não tenham. Eu sou complexada, fashion victim, fodida no rabo pelo padrão de magricela de perna torta e queria ser uma Barbie, igualzinho a todas as meninas, só que eu assumo. Desculpe, eu gostava de Barbie, não de Susie, e agora eu pareço a Susie e não estou nem um pouco feliz com isso.

Parei de comer. Deu. Nada de comida, só bebida de agora em diante. E horse pills. Coloridas, lindas, divertidas e sortidas, como balas no pote de doces da casa da tia Jussara.

Oh, olá, Camila. Está gostando da praia?

Ai, ai, ai, ai, ai, ai.

Vou fazer uma peruca de algas.

Sei lá, pode ser que fique legal.

Tédio.
Boredom.
E cabelinhos pinicando.
E saudades da Ilana.
E nada, nada, nada para fazer. Nada. Tédio.
Me recuso a descer até a civilização.
Esta casa é longe de tudo, sabe, perto do mar, de cara para o mar, acordamos com ele lambendo nossos rostos todas as manhãs junto com o sol e o barulho das ondas e das crianças gritando, porque feriado é uma merda. E tem uma escada que é a maior de todas do mundo inteiro, e cansa, e eu fumo, ou fumava, porque faz três dias que eu não engulo fumaça, mas cansa igual porque eu não tenho fôlego. Que horror. Quero voltar para a cidade, pelo sakê de cristo. Respirar fuligem, não nasci pra ficar no meio desse monte de insetos. Tenho alergia a mosquitos e sou fresca e não gosto de bichos zumbindo nos meus ouvidos e me picando. Eu gosto de mato, mas só quando tem a possibilidade de geladeira e privada. Me recuso a acampar e me limpar com folhas, é até ultrajante para aqueles que inventaram o esgoto e o papel higiênico de maçã verde.

E ainda caiu uma janela no meu dedo. Quarto dedo da mão esquerda, também conhecido como anular. Aquele mesmo que o meu namorado quebrou, não é lindo? Unidos pela dor e pelo ridículo. Minha unha vai cair, está completamente roxa e inchada e grotesca. E eu não consigo mexer nem dobrar o dedo. Então saí daquele puta show dos Phantom Surfers em Floripa e fui pro H.U. - hospital universitário, que tem cheiro de vômito e estagiários que são incapazes de detectar uma fratura e senhoras do raio-x que dormem e tiram o raio-x da parte errada do dedo. Uma maravilha, o melhor hospital de Santa Catarina. Acho que meu dedo está quebrado, mas só vou descobrir quando voltar para a cidade.

E agora eu vou fumar drogas e dormir, porque é a minha única chance de não morrer de tédio.
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Pronto, fumei.
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Aspirei. Segurei. Segurei um tempão, até doer. Daí soltei.
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E o filha-da-puta não sabia nem colocar uma vírgula direito.
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Ah, vou traduzir umas coisas.
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um poema quase feito
Good Ol' Hank

te vejo bebendo em uma fonte com mãos pequeninas e tristes, não, suas mãos não são pequeninas
são pequenas, é a fonte é na França
de onde você me mandou aquela última carta e eu respondi e nunca mais tive notícias suas. você escrevia poemas malucos sobre
ANJOS E DEUS, tudo em caixa alta, e você
conhecia artistas famosos e a maioria deles
eram seus amantes, e eu escrevi de volta, tudo bem, vá em frente, entre em suas vidas, não tenho ciúme porque nós nunca nos conhecemos. chegamos perto uma vez em New Orleans, meia quadra, mas nunca nos conhecemos, nunca nos tocamos. então você foi com os famosos e escreveu sobre os famosos, e, claro, o que você descobriu é que os famosos estão preocupados com sua fama -- não com a linda garotinha na cama com eles, que os dá aquilo, e então acorda de manhã para escrever poemas em caixa alta sobre
ANJOS E DEUS. sabemos que Deus está morto, eles nos disseram, mas te ouvindo eu não tinha certeza. talvez fosse a caixa alta. você era uma das melhores poetisas e eu disse aos editores, aos caras das editoras, "publiquem-na, publiquem-na, ela é louca mas é mágica, não há mentira em seu fogo." eu te amava como um homem ama uma mulher que nunca toca, apenas escreve, guarda fotinhos. eu teria te amado mais se tivesse sentado em um quartinho enrolando um cigarro e ouvindo você mijar no banheiro, mas isso não aconteceu. suas cartas ficaram mais tristes. seus amantes te traíam. criança, escrevi de volta, todos os amantes traem. não ajudou. você disse que tinha um banco de chorar e era ao lado de uma ponte e a ponte era sobre um rio e você sentava no banco de chorar todas as noites e chorava pelos amantes que te machucaram e te esqueceram. escrevi de volta mas nunca mais tive resposta. um amigo me escreveu sobre seu suicídio 3 ou 4 meses depois. se eu tivesse te conhecido provavelmente teria sido injusto com você ou você comigo. foi melhor assim.
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Queria poder dizer isso, "foi melhor assim". Nunca é, independente do que assim seja.
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A new day, a new dawn, not a new life, just the same old girl in the mirror. And her hair looks awful. And her body looks bloated. Just the same old girl in the mirror.

.: Clara Averbuck :. 3:14 PM

terça-feira, novembro 12, 2002

Campanha antidrogas : não deixe seu filho terminar assim

Soledad (5:39 AM) :
nós, os normais,nos divertimos com vocês loucos.
Esmeralda (5:40 AM) :
nós, biscoitos, não sabemos do que vocês estão falando.
Esmeralda (5:40 AM) :
tente as avencas, senhorita.
Esmeralda (5:40 AM) :
meu deus, eu preciso fumar mais.

.: Clara Averbuck :. 5:41 AM

segunda-feira, novembro 11, 2002

You can send me to hell but I'll never let go of your hand
Para Marcelo, all the way

Travesseiros ao meu lado, 15 centavos no bolso, um ônibus lerdo, os olhos secando com as lentes dentro.

Perdi meu lançamento na cidade da Besta dos Pinheirais.

Muito tempo sem dormir, as costas me matando e o coração meio torto de culpa, mas quer saber? Nada é tão ruim que não se dissipe quando olho para o meu babe. Por favor, é bêib, não bábe. Está bem, pode ser baby também. Desculpe, mas somos bobos e apaixonados e temos apelidos de casal. Desculpe se você não tem, se acha ridículo, se parecemos dois panacas perdidos um nos olhos do outro. Desculpe se a nossa felicidade incomoda. Que todos os invejosos queimem dentro de seu recalque, inventem mais daqueles boatos infundados e toscos e venenosos, porque essas coisas não nos atingem. Nothing is gonna spoil this. Nothing. Nada. A felicidade incomoda, né? Cutuca, dá raiva, malditos casais felizes se amando pelos cantinhos.

Foda-se.

Nós somos maiores. Nós sabemos, olhamos e sabemos, não precisamos falar, escrever, não precisamos de nada. Simplesmente soubemos desde o primeiro segundo.

Meu babe me disse que é meu maior leitor. Não precisa de papel e caneta, não precisa de computador, teclado, caderninho peludo cor-de-rosa. Ele me olha e sabe, lá dentro dos meus olhos, lá na minha alma, ele sabe tudo. Nada de palavras, palavras, palavras. Chega de inventar gente que não existe pra depois ver a invenção se esborrachar como um sonho suicida. Porque é sempre assim, a mocinha ama o super herói e não vê o babaca ao seu lado, o Clark Kent, o Peter Parker, gente de verdade existindo o tempo todo bem nas suas barbas. Meu babe me amou de sopetão, sem saber de nada, e me disse, e era eu, Clarah, não aquela Camila. Agora ele conhece a Camila, e quer saber? Eles se odeiam. Ele gosta de mim. Me saca mais do que todos esses caras juntos, porque é de verdade, entende? Nada de palavras, palavras, palavras. Só nossos destinos escritos no fundo dos olhos desde a primeira vez. Não uma projeção besta, não uma pessoa lá longe no pedestal. Não como aquele Arturo que era só palavras, palavras, palavras, aquele Arturo que desertou e fugiu, porque não sabia ser homem, porque acha que viver é muito perigoso. Meu babe não tem medo de nada, e se for perigoso, que se foda, que se exploda, porque estamos aqui para ser arranhados mesmo, cortar a mão nos caquinhos de vidro que ficam no dedo, todos vocês filhos da puta podem bater na nossa cara porque nós vamos até o fim, all the way, all the way, the nights flaming with fire, all the way.

Sem sangue não faz sentido.

E não tem nenhum homem que me faça olhar para o lado porque ele é o melhor de todos em tudo, no beijo, na música, no jeito que ele me olha e me toca e tudo dá choque e sobe e desce e dá febre, e ele entende tudo e me tira completamente do eixo, do sério, me enlouquece, me incendeia, segura minha mão e não larga nem quando eu mando, quando fico brava, irritada, furiosa, quando grito e faço biquinho, mesmo quando quero matá-lo, ele é o cara, ele é o cara, he is my man, quem eu quero comigo, pra quem quero dar todas as minhas manhãs e os meus dias e as minhas noites e a minha voz e os meus sorrisos e eu inteira, inteira, porque he's my man.

All the way, all the way, all the way.

Deixa a Camila lá com aquele Arturo, eles não existem mesmo. Deixa a Camila sofrendo e sofrendo, morrendo e definhando. Ela tem que passar por isso.

Eu fico com o meu baby. E não tem nada, nada, carro destruído, dedo quebrado, coração partido, fofoca, inveja, intriga, amargor, falta de grana, doença, distância ou tempo que possa nos separar, porque nós vamos até o fim.
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Minhas orações funcionam. Minhas preces são atendidas. Ou você não sabe o que escrevi para o meu baby antes de conhecê-lo? É assim:

Oração do Amor Efêmero

Eu quero ir embora, eu quero um amor que me carregue para longe daqui, que me leve, me leve, me leve embora, que me ame com força e desespero, que machuque minha boca no primeiro beijo porque queria muito, que tatue meu nome no braço mesmo sabendo que não é para sempre, que não se importe com nada. Vamos fugir, vamos sumir, ser estranhos longe de todo mundo. Eu quero um amor que me puxe com força e não me dê opção senão me deixar levar, eu quero ir, eu quero ir, eu quero ir embora daqui. Eu quero um amor que me perca, me ache, me deixe tonta e confusa, que não se incomode com os olhares dos outros e grite que me ama, eu quero, eu quero um amor que me leve, que perca, me ache, me ganhe de cara. Que me guie, me guarde, me governe, me ilumine, me incendeie, me cause insônia e raiva e ciúme e lágrimas e febre e riso. Eu quero um amor que me canse, me canse, não canse nunca e me canse e se canse. Eu quero um amor de verdade, puro, limpo, imaculado, sagrado, que vá até o fundo, até onde ninguém foi. Eu quero um amor que me olhe nos olhos, não tenha medo de se jogar no abismo, de se jogar em mim. Eu quero um amor que esteja disposto a arder no inferno por nós. Que esteja lá não importando para onde eu queira ir. Eu quero um amor de janta e café da manhã, que não prometa nada, que não dê nada além do que for tão verdadeiro que me deixe doente, louca, rouca, suada, cansada, que arranque minha paz junto com meu coração. Eu quero um amor que me leve até o fim.

.: Clara Averbuck :. 12:01 PM

Fracassos no interurbano
[domingo]

O lançamento em Curitiba? O esperado, planejado, cheio de expectativa lançamento de Curitiba? Aquele com palestras, leituras, Fante, Bukowski, Leminski? O mais foda, o que eu mais queria, o que abriria minha turnê sulista?

Eu não estava lá.
É, eu não estava.

Não quero me alongar, não vou cardosoear e inventar alguma desculpa borgeana e irrefutável. Só vou contar o que aconteceu, mesmo que ninguém precise saber o inferno que foi a minha vida naquele dia. Aquele dia que começou no dia anterior, quando finalmente me mudei - e fiquei devendo dinheiro para o tio do carreto. Me mudei. Consegui. Agora eu moro junto. Então depois de carregar todas aquelas malas e caixas e sofás e suar, arrastar, espremer móveis e virar a santa milagreira do cantinho, corri para discotecar na Fun House, já atrasada e acabada. Bela festa. Toquei um monte de coisa boa e causei comoção em umas duas pessoas. Cansada, morta, com dores nas costas. Seis da manhã, a gente querendo fechar o bar e ir pra casa porque eu tinha um ônibus para pegar às em duas horas - sozinha, diga-se de passagem, porque o professor que ia comigo amarelou, apesar de não ser japonês, e nem se deu o trabalho de me avisar -, quando ouvimou um estouro. Pow. Assustador. Pow. O carro. Ninguém na rua, o carro pacificamente estacionado na frente do bar. Pow. Um bêbado, um peugeot prateado. Um bêbado que vai queimar no inferno. Placa DCG 8205. Um bêbado que fugiu. O carro estacionado, destruído, o vidro quebrado, estilhaços por todos os lados, no banco, no chão. O carro não anda mais. Destruído. O bêbado prateado fugiu, mas um salvador anotou a placa. Filho da puta, fugiu, foi embora, achando que ninguém tinha visto. O carro destruído, sete da manhã, delegacia, boletim de ocorrência, documentos vencidos, o inferno, o inferno. Polícia, oito da manhã, as malas em casa. Longe. O ônibus saindo sem eu dentro. A mudança pesando nas minhas costas, o carro destruído. Tentei outro ônibus, tentei ir até o aeroporto. Trânsito de três horas, 30 reais de táxi, listas de espera cheias, tarifas exorbitantes. Tentei trem, navio, burrico, patinete. Não existia. 4 da tarde, nenhuma hora de sono, nenhuma chance de chegar a tempo. Pow. Tudo arruinado. Disseram que estava cheio, que estava do caralho, que o show foi muito legal. Todo mundo lá. Menos eu.

O lançamento em Curitiba? Discotecagem no James? O Fer e o André, o Tuba e o Giovanni, o Abonico e a Iáskara, o Fábio, o Cassiano, os meus leitores todos? Minhas traduções de um monte de poemas do Bukowski, os contos inéditos do Fante, as poesias do Leminski que eu sei de coração? A festa, o hotel, a bebida, o lançamento na cidade da Besta dos Pinheirais?

Eu não estava lá.

Me perdoem, por favor. O diabo me escolheu essa semana, carreguei seu peso nesses dias, até hoje. Me perdoem, leitores. A expectativa de vocês não era maior do que a minha. Tentei de tudo, movi o mundo para conseguir chegar, mas não deu. Não deu. Me desculpem, deu tudo errado.

Cassiano, eu te devo umas 50.

Me perdoem.

Vou dar um jeito de compensar. Leio o Vida de Gato pra vocês. As melhores partes. O início e o fim. Respondo perguntas, qualquer pergunta. Eu ainda vou aparecer aí e fazer tudo que pretendia, mesmo que sozinha, mesmo tendo que pagar a passagem, dormir na rua, comer grama e que mesmo assim não apareça ninguém porque todos me odeiam agora.

Me perdoem, leitores. Mas merda acontece.
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E continua acontecendo. Quando eu disse que não conseguiria chegar em Curitiba a tempo, os outros dois lançamentos foram desmarcados. Acontece que eu já estava a caminho quando descobri isso. Em Registro, para ser mais exata. O Cassiano tentou remarcar às pressas, mas as pessoas de Floripa já nem queriam muito que houvesse o lançamento e recusaram-se a remarcar. Em Joinville não apareceu ninguém, fora o louco que escreve poemas para a Camila e que me deu um calhamaço de papéis. Bebi todo o vinho sozinha, peguei meus emails e descobri um monte de dicionários de latim, que foram meus companheiros naquele momento. Além do Cassiano, claro, que tem meu voto para a canonização. Depois eu conto sobre a busca pelo Marreco Recheado Encantado.

Deu tudo errado. Tudo. TUDO.

Era para ter sido eu e o Flávio, e o Flávio não veio. Aliás, não sei nem se ele ainda está vivo, porque não responde emails, não atende telefonemas e não dá satisfações.
Era para ter sido do caralho, eu teria visto meu melhor amigo que mora em Joinville e que não apareceu e está com problemas sérios no celular. E é puto.
Era para ter sido foda, eu teria visto o Bianchinho e a Jeanne, o Dancer, todo mundo, mas nããão. Em vez disso, estou sentada em um hotel em Joinville. Sem dinheiro para comer, sem dinheiro nenhum até amanhã, quando poderei ir ao banco.

E sabe o que vou fazer?

Fugir com meu babe para o Pântano do Sul e sumir pra sempre por uma semana. Porque puta que pariu, eu mereço, nós merecemos. Vamos apagar o inferno dentro do mar limpinho, comer camarão e pisar na areia e dormir e tocar blues o dia inteiro.

Então até a volta, se é que eu vou voltar um dia.

.: Clara Averbuck :. 12:00 PM

terça-feira, novembro 05, 2002

Los Muertos Hablan Español

É, eu não ando escrevendo mesmo.
Só às vezes.
Estou muito ocupada terminando de ficar maluca.
Minha cabeça virou uma tigela de tapioca.
Mas é só até eu me mudar. Igual da outra vez. Perdi minha sanidade em alguma dessas caixas espalhadas pela sala e só vou encontrar quando sair daqui, quando estiver na minha casa, mas é tudo dolorido e demorado e outras coisas acontecem no meio que me deixam mais desconcertada ainda, e é tudo uma bagunça, bagunça, bagunça, impossível viver no meio da bagunça e querer que o raciocínio não vire uma meia amassada na pilha de roupa suja.

Todo mundo lá longe. Estou em uma bolha, grito e ninguém escuta.

Eu queria mesmo era que todo mundo calasse a boca.

Não quero ouvir nenhum disco nem ler nenhum livro nem ir a lugar algum nem escrever, não quero escrever, não faz sentido, nada faz sentido hoje. Deve ser TPM. Tem que ser.

Preciso urgentemente de um defrag no cérebro. Preciso urgentemente de um defrag no cérebro. Preciso desesperadamente de um defrag no cérebro, ele trava, engasga, dá cambalhotas dentro da minha cabeça. Vai chegar uma hora em que ele não vai mais ligar. Preciso desesperadamente de um defrag no cérebro.

Tem gente que consegue estragar TUDO. TUDO. TUDO.

.: Clara Averbuck :. 10:06 PM

Nota ao suicida

Eu tento.
Tento.
E tento de novo.
Mais uma vez.
Nenhuma resposta.
Tento virar as costas, dar de ombros, ora-quem-se-importa.
Eu. Eu me importo.
Eu me importo demais e nada.
Nada.
Nenhuma resposta.
Os papéis sempre estiveram trocados.
Lá vou eu, dirigindo 100 milhas até o deserto para buscar a Camila louca que foi atrás do Sammy doente.

Gosto que homem seja homem, não gosto de homem que é só palavras, palavras, palavras, era tudo que ele era, esse Arturo.

Ah, Camila, pára com isso, me dá a sua mão, vem comigo que eu quero te salvar, quero te deixar feliz, te encher de presentes e colo e frases bonitas que são só suas, só suas, porque você é tanto. Você é tão frágil, tão menina, e sabe tanto, tanto, Camila maluca que some por dias e dias e me deixa preocupada, tira meu sono, pisoteia minha paz. Eu sou de verdade, Camila, me dá a sua mão, encosta no meu peito, olha como o filho da puta bate. Dá pra ver os contornos, dá pra ver o sangue fluindo, então pára com isso, vem comigo, vamos pegar a estrada, eu vou te levar pra bem longe, vamos afogar tudo em copos sem fim, vamos falar tudo nas palavras dos outros, vamos fazer o que deveríamos ter feito desde sempre, mostrar pra todo mundo onde está a beleza da desgraça e da dor. Abre bem os olhos, o dia quer queimar a sua retina, respira fundo e sente o ar deixando tudo novo e branquinho, uma cama limpa estendida sem nenhuma ruga, parede branca recém pintada, areia do deserto sem pegadas, sem nada, lisinha como um bebê. Eu vejo a solidão machucando, sua fantasmice de morto flutuando, seus olhos pungindo e sua alma gemendo e pedindo ajuda. Vem comigo, Camila, me dá a sua mão, eu não vou largar nem que você mande, esperneie, grite, porque eu vou te salvar, eu posso te salvar. Vem comigo, nega. Vem comigo.


sabendo
que assim dizendo
- poema -
estava te matando
mesmo assim
te disse

sabendo
que assim fazendo
você estava durando
foi duro
mesmo assim
te trouxe

mesmo assim
te fiz
mesmo sabendo que ias
fugaz
ser infeliz
sempre infeliz

mesmo assim
te quis
mesmo sabendo
que ia te querer
ficar querendo
e pedir bis

.: Clara Averbuck :. 4:50 PM

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