sexta-feira, novembro 22, 2002
Eu, você e a Pangea rachada
Para o mesmo de sempre, o de antes
Nunca mais vou acreditar em uma palavra saída desses seus dedos sujos, sejam elas roubadas ou aquelas de espuma branca que só você sabe fazer. Nunca mais.
Nunca mais quero ouvir a sua voz, te ver, te ler, te lembrar. Nunca mais quero ser sua amiga e ouvir o amargor de menino cristão, nunca mais quero te dar ombro quando você disser que está sem amor. Não quero, não quero, não vou.
Nunca mais, nunca mais, nunca mais.
Não mais amantes há tempos, agora, não mais amigos, não mais nada, nada, não.
Nunca mais vou ter paz. Não existe paz, só o meu cérebro fervilhando, entrando em erupção por cada fio de cabelo, cada poro, cada gota de suor.
E só você entendia.
Ou fingia entender.
Ou eu, idiota, inventei que você entendia porque tinha inventado tudo sem saber sobre a cordinha na sua mão.
A maior invenção do mundo até me puxar descarga abaixo.
Não vou te mandar me esquecer porque você já esqueceu.
Não vou te mandar sumir porque você já sumiu, sem adeus, sem uma carta, aviso prévio, bilhete suicida. Nada, simplesmente sumiu no silêncio do telefone mudo.
Eu já sabia.
E o pior, querido, é que você entendeu tudo errado.
Puxa a descarga mais uma vez, puxa com força e enfia sua cabeça lá dentro, deixa a água correr e tenta entender direito na próxima vez.
Você só perde.
Azar. Seu, meu, do resto do mundo.
Eu já sabia.
Você estraga tudo, tudo, tudo.
Obrigada por estragar tudo.
De novo. Do mesmo jeito covarde, aquele silêncio mentiroso que mata. Não saber mata. O silêncio é uma espécie de mentira. Prefiro um tiro no peito, o sangue jorrando e o mundo se esvaindo do que a dúvida me corroendo.
Você estraga tudo.
Mas foda-se.
Não quero mais brincar com você. Nunca mais. Devolve a minha bola, meus brinquedos, meus livros, meus discos e minha pulseira de dadinhos que eu esqueci na sua casa da última vez, antes da Pangea rachar.
Ainda bem que essa foi a última vez que eu tinha pra te dar.
.: Clara Averbuck :. 6:42 PM
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