i gave my life to a simple chord

segunda-feira, agosto 26, 2002

São Paulo Leminski
[24.ago.02]

Hoje é aniversário de São Paulo Leminski. Não era nem seria: é. Porque caras como ele não morrem. 58 anos. Eu falo, falo, falo dele, falo da Santíssima Trindade como se todos tivessem a obrigação de saber quem são os caras. De fato, têm. Mas não sabem, porque os caras são ignorados por professores medíocres, malditos demais ou incompreendidos demais ou banalizados demais ou lidos por um bando de bêbados que insistem em se achar poetas como eles. Não, não, desculpem, amigos bêbados. Esqueçam. Seus haikais não são tão bons como os dele. Seus poemas são uma merda comparados com os dele. Desistam e arrumem um emprego, não me vendam poesia na mesa do bar que me mata de desgosto. Especialmente porque Leminski é o único dos gênios da Santíssima Trindade. Os outros são tão sagrados quanto, mas acho que o termo "gênio" é sério demais e não se aplica. Todos somos geniais às vezes, mas gênios são raros. Gênios que conseguem não ser chatos, mais raros ainda. E chegamos a São Paulo Leminski. Escritor, jornalista, tradutor poliglota (o cara falava 10 línguas), poeta, letrista. Tudo. Erudito e beatnik. Roqueiro e hippie. Judoca e alcoólatra. Até publicitário ele conseguiu ser - tudo sem perder a dignidade. Quando era criança, decidiu ser monge. Virou santo. Pra mim. Porque eu determino o que é sagrado, e a minha Santíssima Trindade é feita de caras que amavam a escrita mais do que a vida. A escrita os beatificou. Aqui dentro do meu mundo, eles são santos e zelam por mim lá no Céu da Cirrose. Os três.

Leminski é um escritor único. Seu primeiro livro, a prosa poética Catatau, de 75, veio depois que já tinha causado rebuliço com seu barbão, seu cabelão e sua poesia que, como ele, era singular. Ele rimava tão naturalmente quanto respirava, quanto coçava a nuca. Aos 19 anos, já dava aulas em cursinhos e tinha traduzido fodões da literatura. Sua casa virou ponto de encontro de escritores, músicos e agregados, que sacudiriam a careta Curitiba daquela época. A vida dele é uma coisa à parte, não posso fazer a biografia do cara sem me deter em todos os detalhes, então vou parando por aqui. Leminski morreu de cirrose em 89, deixando um monte de livros bons, filhos e várias viúvas. Uma mais do que as outras: Alice. Deviam ser almas gêmeas, os dois.

Tenho como tradição interna celebrar o aniversário dos caras. No do Fante, tomei um porre e tive uma crise de fígado, a pior de todas. Mas comemorei, foi lindo. No do Bukowski, lancei meu primeiro livro. O que mais poderia fazer hoje além de beber no meu novo bar? Tenho isso de me adonar dos lugares. A Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, é meu bar oficial, com todos aqueles livros, filmes, bebida, rodinhos, papel higiênico e donos legais. Agora tem a Fun House, e é para lá que vou, continuar a noite de ontem e brindar sozinha pelo aniversário de São Paulo Leminski, para quem rezo todos os dias. Sei que ele está ao meu lado, sei que sorri para mim lá do Céu da Cirrose, o meu Leminski. Te amo, cara. Obrigada por tudo.
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eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
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tenho andado fraco

levanto a mão
é uma mão de macaco

tenho andado só
lembrando que sou pó

tento andado tanto
diabo querendo ser santo

tenho andado cheio
um copo pelo meio

tenho andado sem pai

yo no creo en caminos
pero que los hay
hay
.
.
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um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que o valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra
.
.
.
fazia poesia

e a maioria saía
tal a poesia que fazia

fazia poesia

e a poesia que fazia
era outra filosofia

fazia poesia

e a poesia que fazia
tinha tamanho família

fazia poesia

e fez alto
em nossa folia

fazia tanta poesia
ainda vai ter poesia um dia

.: Clara Averbuck :. 5:07 PM

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