segunda-feira, agosto 05, 2002
Esqueci de postar
Faz dois meses que eu conheço o Marco. Desde a primeira vez já parecia que estava reencontrando um amigo de infância. Mentira, um amigo de outra encarnação. Falamos para caralho, comemos no bar das Lésbicas da Montanha e bebemos bastante antes de nos despedirmos com um puta abraço de amigão. E eu simplesmente amo esse cara.
Deixe-me falar sobre o que gosto no Marco. Fora as piadas insuperáveis e geniais dele, fora o fato de ser um cara agradável, bom de estar perto - diferente de mim, que sou uma velha chata -, tem três coisas que fazem ele ser considerado meu amigo. Amigo mesmo.
Ele sabe que você não precisa estar feliz e saltitante o tempo todo. A dor é parte essencial da vida de qualquer pessoa da nossa coleção.
Ele fica realmente feliz por você. Quer dizer, REALMENTE. E REALMENTE PUTO também. Ele vibra e soca a parede junto com os amigos, não fica distante. Ele é foda.
E principalmente, porque ele entende. De alguma forma, o Marco entende tudo. Ele sabe o valor real de tudo, sabe o quanto doeu ou o quanto eu mesma ri quando fiz aquilo. Uma vez estávamos conversando em um Fran's café, em uma madrugada pós-festa semi-fracassada. Conversando sobre amizade. E ele disse uma frase que vai ficar pra sempre: "Tem gente que não sabe o quão sagradas são as coisas sagradas para quem não acredita em nada." Amizade é sagrada pra nós. Falou mal de amigo meu, de amigo mesmo, aqueles sem restrições, é um gancho de direita na fuça. No sentido bíblico, é claro.
Quinta-feira o Marco decidiu que eu precisava beber. Quer dizer, eu precisava mesmo, mas ele decidiu ser parte ativa e me chamou pra sair no dia em que busquei minha cota de livros na editora. Passei na Anne, dei aquela postadinha sem acentos e fui encontrar o Marco debaixo de uma senhora chuva desagradável que molhou meus livros. Uma das cenas mais losers da minha vida, andar ensopada na chuva com uma sacola cheia de livros e ter que agüentar gracinhas dos chinelos no centro da cidade. Meus livros na sacola. Poderia ser serragem, não estava ligando muito. Mas daí eu encontrei o Marco e seguimos o plano, caminhando pelo centro, agora protegidos por um guarda-chuva. Sweet. Chegamos ao bar, pedimos nossos chopes e eu fiquei ali, muda, olhando para a pilha molhada de livros e para minha vida no fundo do copo. Mudinha. Calada. Apagada. Mas naquela noite, graças ao Marco, eu consegui achar o brilho dos meus olhos, que estava perdido desde sei lá eu quando.
Ele me convenceu a cantar.
Pra falar a verdade, não precisou muito. Desde a primeira vez que fui naquele bar, fiquei com vontade de ter meu próprio pianista e me esparramar de longo em cima do piano e cantar jais. Então surgiu esse Senhor & Seu Pianista Negro, e eles cantaram Cadeira Vazia e eu quase morri. Pedi um Vicentão, é claro. Ele veio até a mesa, incrédulo, perguntar se o pedido era nosso. Era, claro que era. "Olha, querida, Vicente Celestino é muita responsabilidade". Ele trabalhou com o Vicentão. Não pude acreditar, cara. Se bem que ele devia ter uns 130 anos, era bem possível mesmo. Daí ele não cantou. Tudo bem. O velhinho era preza demais, todo empertigado no seu terno com uma flor na lapela. Mas foda mesmo era o pianista, o Cidão. Ele era velho também, tinha lá seus 60 anos, uma barbicha e tocava para caralho. Puta que pariu, como o Cidão tocava. Transformava tudo em blues, em jazz, era foda demais, bom demais. Decidi que ele seria meu pianista e que eu viaria cantora de bar. Quer dizer, a segunda parte já estava decidida há muito tempo, eu só não tinha achado um pianista ainda. E achei. Grande Cidão. Daí o Marco decidiu que eu ia cantar e foi lá falar com o Cidão. Porra. Cantar o quê? Atirei o pau no gato? Enfim. Fui, né. Acabei cantando All Of Me e Cadeira Vazia. A primeira foi um desastre completo, estava aguda demais, eu estava bêbada demais e tinha fumado demais e tomado chuva demais. A segunda até que deu pro gasto, mas foi a primeira vez que cantei, estava insegura, nunca toquei jais com ninguém além do meu pai, ai, ai, ui, fresca, enfim. Mas mesmo assim, arrumei dois fãs: um turco vesgo que ficou falando "You véri gud sínguer! Véri gud!" e um senhor que ficou me aplaudindo efusivamente e fazendo gestos de longe quando fomos embora. Oh, cara. Mesmo que tenha sido uma merda, pegar um microfone e cantar uma música que eu amo me devolveu alguma coisa que eu tinha perdido, acendeu alguma coisa queimada dentro de mim. Foi foda. Ainda estou com mau contato, acendo-apago-acendo-apago. Mas acendo.
Marco, obrigada. Puta que pariu, obrigada. Você sabe, né. Você vai me mandar tomar no cu, mas você sabe. Eu te amo, porra. Você entende tudo.
.: Clara Averbuck :. 6:14 PM
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