quarta-feira, agosto 07, 2002
A coisa que mais ouço é que sou corajosa. Porque larguei minha vida em Porto Alegre, porque larguei as faculdades todas, porque me jogo de cara em tudo, porque bebo, porque fumo, porque vivo e conto tudo.
Não vejo coragem nenhuma nessas coisas todas. Talvez porque para mim seja inevitável. Não houve nenhum esforço da minha parte para que essas coisas acontecessem, é simplesmente o curso da minha vida, espontâneo e natural. Nada disso me amedronta ou me excita ou me orgulha. Simplesmente é. Foi. E vai continuar sendo.
Quando larguei as faculdades, não pensei "oh, meu futuro está em jogo, minha vida, o diploma, a carreira". Pensei "isso é chato, não quero mais".
Quando vim para São Paulo, não foi pensando em ganhar dinheiro, fama, gatas de microssaia ou entradas vip. Eu simplesmente tinha enchido o saco da minha vida lá e quando olhei para frente, vi São Paulo. Poderia ter sido o Rio de Janeiro ou Nova York, Londres ou Abu Dhabi, qualquer lugar. Mas era São Paulo que me chamava, então eu vim. Claro que sempre falava em encher o cu de dinheiro, mas era mais piada do que qualquer coisa. Mesmo que eu trabalhasse, coisa que não pretendo fazer (a não ser que arrume algum emprego de garçonete que ocupe pouco ou quase nada da minha cabeça), teria mil planos antes de ter mil reais, o que inviabiliza totalmente esse negócio de ter dinheiro. É claro que eu gostaria de ter dinheiro, de viajar, de consumir, comprar aquele duplo do Lou Reed que vi na Benedito Calixto, o catálogo inteiro da Black Sparrow Press e da Soft Skull, um monte de Barbies, um sofá decente e óculos novos. Mas entre precisar alugar meu tempo e minha cabeça e esperar até cair alguma herança dos céus enquanto moro de favor e vivo de barras de cereal e diet shake, não preciso nem pensar. Fico com a minha vida, obrigada. Às vezes é uma merda não ter dinheiro para comer decentemente ou sair ou levar minhas botas gastas no sapateiro ou comprar creme para os cabelos, mas que diabo, passa. Sinto falta de ter um vídeo e alugar filmes, de ir ao cinema, de um monte de coisas, mas não chega a ser um drama. Não ligo muito para glamour, até porque posso pegar o dos outros emprestado quando preciso.
Sabe, eu fui feita para ser livre. Não poderia, não conseguiria trabalhar em uma redação ou em qualquer lugar com horários e regras e chefes e essas coisas todas. Tem gente que consegue, acho lindo, mas não é para mim. Como disse o Abujamra no prefácio, estou condenada a ser livre. Só consigo ser assim, é minha índole, alguma coisa me manda ser assim e eu não posso nem quero ir contra. Faço o que acho que tenho que fazer. Sempre tem a turma do "mas você é jovem, isso vai mudar, você vai cansar". Certo. Quando eu for velha, isso mudar e eu cansar, a gente conversa. Agora não, tenho dentista, vou ali. Olha, eu sei, tenho certeza de que estou no caminho certo, tudo conspira a meu favor, as coisas acabam dando certo mesmo quando dão errado. Então eu continuo, às vezes meio grogue das porradas que a vida me dá e que não têm nada a ver com dinheiro, às vezes meio manca, fraca, triste, de qualquer jeito eu continuo indo para a frente, porque é assim que tem que ser. É assim que eu sou e não há nada que eu possa fazer a respeito além de continuar sendo.
(Ao som de To Record Only Water For Ten Days, John Frusciante)
.: Clara Averbuck :. 5:32 PM
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