i gave my life to a simple chord

sábado, julho 27, 2002

Por Una Cabeza

Resolvi descer e ver um pouco de televisão, talvez dormir.
Só que estava passando Perfume de Mulher, justamente a cena do tango. E no momento em que olhei para o Al Pacino, vi o meu avô. E comecei a chorar desde a cena do tango até o fim do filme, porque todas as memórias da minha infância surgiram do nada, fortes e nítidas, não sei onde elas andavam, sei que de repente estavam todas aflorando e o Al Pacino, o Coronel Frank, era o meu avô, igualzinho, com a mesma voz, o mesmo jeito, o mesmo olhar, a mesma força, o mesmo porte. Meu avô querido, Leo Chirivino, meu sangue, pai do meu pai, de quem quase não tinha nenhuma lembrança, que morreu quando eu tinha 4 anos, estava ali, dançando tango no meio de um restaurante. Dançando comigo. Tenho certeza que meu avô seria um puta dançarino de tango. E o Al Pacino parece o Fante, e meu avô parecia os dois, e eu lembrei de estar no colo dele quando já estava doente, morrendo, sentado em uma cadeira de balanço de couro marrom, uma cadeira enorme perto de mimzinha, lembrei da voz dele me chamando de Tico porque eu era pequenininha perto dele, lembrei da risada dele, tudo, tudo, toda. E chorei mais. Foi a primeira vez que senti saudade de alguém que morreu. Uma saudade enorme, absurda, devastadora, que eu desconhecia. Chorei porque sabia que nunca o veria, teria que me contentar com essas memórias lindas, essas cenas que estavam perdidas em algum lugar da minha cabeça. Meu avô comigo, com aquelas sobrancelhas grossas e os olhos muito pretos e redondos, aquela elegância que não existe mais, de quem não perdia a pose nem de calção da Adidas. Meu avô era jogador de futebol. Do Grêmio. Da época em que futebol era amor, não dinheiro. E o Gardel e o De La Pera e a orquestra arrebentando tudo com Por Una Cabeza, aquele tango maravilhoso girando comigo e me esbofeteando pela sala. Então decidi aprender a dançar tango por ele. Estou dançando agora, de vestido vermelho, ele de terno, sorrindo e me olhando nos olhos, me guiando, todo orgulhoso. Preciso aprender a dançar tango. Agora. Ontem. É a única maneira de poder abraçá-lo dentro da minha cabeça. Com um tango. Tango tem cheiro de casa, de frio, de sul, de pampa, e isso me dá mais saudade ainda de tudo, do passado, da infância, do novo que nunca vai voltar. Então eu vou aprender a dançar tango. E o homem da minha vida, o homem que ainda não existe, vai ter que dançar tango comigo, me jogar de um lado para o outro, me conduzir, me girar, enroscar as pernas nas minhas e me levar para onde quiser. De agora em diante, só beijarei alguém que queira dançar tango. Porque descobri que a minha vida não passa de uma dança. Quando eu erro, simplesmente sigo dançando até a música terminar. Minha vida é um tango. Por una cabeza.

.: Clara Averbuck :. 4:03 PM

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