i gave my life to a simple chord

quarta-feira, julho 24, 2002

Paz vadia

[19.7]

Às vezes eu fico louca, já te contei? É que você não me dá paz, né? Daí eu fico louca e me ponho a gritar em silêncio.

Pa-az.

Estou lendo, quieta, longe, sem incomodar ninguém e você chega assim como uma música que invade paredes e relampeja na minha cabeça, sempre alguma imagem de quando eu era sagrada e você, meu devoto que fazia reverências sobre os escritos da minha barriga.

Quieta, longe, mas você não me dá paz. Você escuta quando falo sozinha? Então escuta: quero a paz das santas e das putas depois de fazer gozar o pau envolto na borracha morta que impede a alma de sair pela uretra. Você e seu dedo roubaram a paz do meu útero, a alma do meu ventre e saíram cantarolando pela porta da frente com uma goteira no coração.

E foi-se a minha paz pela estrada afora, jogada pela janela dentro de alguma latinha vazia e amassada no caminho do céu do inferno. Afundou como uma pedrinha no lago, blosh, foi, nunca mais.

E você nem sabe.

Nem sonha. Nem sei. Eu não sabia. Eu sabia. Sempre soube. Não sabíamos.

Não luto na teia, me atirei nela e você me sugou pela metade, me bebeu pela metade e fiquei meio viva, como sempre. Por que eu nunca morro? Estou aqui, embaralhada, embrulhada para viagem, sem sair do lugar. E você, ah, você. Você esqueceu, mas nunca prometeu que lembraria. Louca. A louca entendeu tudo errado, né? Desculpe. A louca achou que era de verdade, fundo, para sempre, porque nunca nada foi tão bom. Mas o que é breve, foge entre os dedos e cai na terra seca que suga tudo depois de uns dois ou três goles que só dão mais sede.

E a paz? A paz foi pra puta que o pariu, junto com a água e o pó. A paz foi embora e não sabe quando volta, a vadia. Sempre soube que ela era uma promíscua, uma putinha barata, qualquer idiota com as palavras certas contadas a compra e a joga na gaveta. Paz vadia, te quero de volta. Te amo, vaca. Jamais conseguiremos atirar o amor pela janela. Mas a paz, ela é fácil e não voa. Te quero de volta, minha amada paz, só pra te jogar de novo na boca de alguém que te engula, te chupe e deixe o ossinho para os cachorros. Volta para mim, querida, prometo te tratar pior do que da última vez, até que você não volte mais e me levem amarrada e obediente até algum precipício e me enfiem em um saco e me joguem lá de cima sem olhar para baixo, sem ver meu corpo virar uma massa disforme com molho de sangue nas pedras caladas, que podem apenas assistir. Volta, minha paz. Não sei mais ser santa, preciso de você para me ensinar a ser puta de novo. Volta. Volta. Volta.

.: Clara Averbuck :. 9:27 PM

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