segunda-feira, junho 03, 2002
Beat me, kick me, shoot me, kill me and I'll be alive
o maior post da história deste blog
Pois é.
Red eyes and tears. O dia seguinte é sempre o pior.
Deixei o Rafael, a Boo e o Thiago no metrô e fiquei sem rumbo. É, rumbo. Rumo em sueco. Desculpe, é apenas uma piada interna. Fique feliz porque eu ainda faço piadas. Fui beber sozinha. Não muito, sabe, só uns chopinhos. Na verdade eu queria cerveja, mas meu bar estava fechado, fecha cedo aos domingos, e o único lugar onde poderia escrever em paz era esse outro bar, chamado São Cristóvão. Fiquei lá, bebendo, fumando e escrevendo até às duas. Escrevi um monte. Meu caderninho peludo cor-de-rosa já está em julho e se continuar neste ritmo, vai acabar antes de agosto, antes da Inglaterra. Comprar outro. Because these words I write keep me from total madness.
Vamos a elas, então.
O que me deixa mais puta não é a sensação de abandono e a dor insuportável me fazendo repetir "não, não, de novo não". Isso eu agüento. O que dói são os planos desmoronando, uma pilha deles. Coisinhas bestas como "acho que vou começar a ir de ônibus", "precisa de carro pra chegar no Mercearia? É perto?" ou "vai preparando sua mochila para vir pra cá". Essas perguntinhas idiotas me faziam olhar para frente e tomar decisões silenciosas, coisas que nunca pensei em fazer, como deixar de ser antisocial e ser legal. Ser simpática, ser legal, jogar a armadura fora, parar de ser defensiva e coroca e ser doce. Pode parecer normal, mas seria a minha primeira vez. Não fui legal nem com os amigos do meu ex, com quem eu morava, meu maridinho. Nunca fiz isso antes, sempre tive minha casca de mau-humor, indiferença, ironia e sarcasmo. Claro que tudo é parte de mim, mas não sou só isso. E tinha decidido jogar a casca fora. Ela já anda bem mais fina de qualquer forma, mas acho que vou precisar mantê-la, senão vou desmoronar.
As coisinhas. Malditas sejam as coisinhas em que acreditei com tanta força. "Agora a gente só vai se ver na sua festa de aniversário". Não nos vimos. Tinha a esperança que ele aparecesse, ainda que não contasse muito com isso. Achei que ele estava sofrendo de amor perdido. Haha, eu sou mesmo uma grande idiota. Devia ter adivinhado que ele fugiu e se apaixonou de novo. Horror. Horror. É como ter que acreditar no pior dos meus pesadelos invadindo a minha vida. Achei que nunca mais passaria por isso, tinha a maior certeza do mundo, da minha vida inteira. Nunca foi tão fácil acreditar.
Ele era melhor do que eu conseguiria imaginar. Provavelmente esqueceria alguns detalhes adoráveis dele no pacote do homem perfeito. E eu parecia perfeita para ele, a dona do inferno perfeita em vinil e salto agulha, com uma frase do Bukowski na barriga e um gato no colo. Como eu sou burra. Estou me sentindo a mais burra do mundo. Burra e traída. Isso, traída. Como se o silêncio dele fosse uma espécie de mentira, como se ele soubesse que eu estava esperando com os braços abertos e uma cópia da chave de casa, guardando tudo para ele, e simplesmente me deixasse lá sem avisar que não ia mais. Eu disse, pedi para ter cuidado comigo porque eu não agüentava mais apanhar. Mas ele não escutou, não deu a menor bola e chutou a minha cara. Envenenou meu vinho. Acabou comigo e nem se deu o trabalho de avisar.
Estou vazia.
Ontem, enquanto chorava e tremia no banco de trás de um carro, achei que nunca mais escreveria. Que minha vida toda tinha acabado. Que nunca mais seria capaz de amar, que viraria uma pedra sem cor nem gosto nem cheiro nem calor. Nunca me senti tão mal, tão sozinha, tão abandonada. Sempre estive sozinha, mas com ele era diferente. Mesmo sem saber onde ele estava, ele existia, ele era ele, ele era meu e eu era a Camila. Pffff, conversa. Nunca pensei que as palavras e as promessas dele fossem tão vazias, porque eu escrevo inteira, com toda a minha vida, toda a minha alma. Minhas palavras não são só palavras. Nunca foram. Achei que ele sabia, que entendia, que era igual a mim. Mas era tudo tão efêmero. Passou.
Não, ele não mentiu. Releio e releio e releio e sei que era tudo verdade, mas passou.Virou pó. Meu príncipe virou sapo, meu homem virou pó. Ficaram as palavras, tão lindas, tão perfeitas, tão intensas. Mas a vida secou. Não vejo futuro, não posso olhar para frente. Não tem nada.
Parei de chorar. Não posso mais chorar. Sequei.
Não acredito que isso está acontecendo, que aconteceu. Não posso ver minhas certezas indo embora desse jeito, acaba comigo. Mas vou ter que me acostumar assim, sozinha. Porque é assim que vai ser, agora eu não tenho mais dúvidas. Se não era ele, não vai ser ninguém. Vou ficar sozinha.
A não ser que ele volte. Porque não posso dizer não para ele. Não para ele. Eu disse que agüentava qualquer coisa, desde que soubesse que não era em vão. E foi. Ele esvaziou a minha concha, levou a minha pérola e foi embora de mãos com outra. Mas se ele voltasse, teria outra pérola para oferecer, junto com todo o resto. Mas não assim. Queria ele cego como eu. Porque eu me entreguei inteira. E ele devolveu. Não quis. Mas se ele quisesse, se ele quiser, estarei aqui. Não sei até quando a minha burrice vai mandar na minha vida, mas agora eu estou aqui. Não tenho escolha. Amor é idiota mesmo, cega, emburrece, rouba tudo que você tem, chuta sua bunda e vai embora sem se despedir. À francesa. Ironicamente.
Mas acho que estou menos inocente. Ele roubou a minha inocência de princesa virgem, ele escalou a minha torre e abriu todas as portas, ele maculou meus lençóis e partiu antes que eu acordasse.
Não vai mais ser assim. Não pode.
Ele disse que me decepcionaria, mas eu ri. Ele não poderia. Já conhecia todos os seus defeitos, já tinha oferecido a mão enquanto ele chorava por outra mulher, disse que ficaria ao seu lado de qualquer maneira, a não se que ele me mandasse embora. E ele não me mandou. Acho que não teve coragem. Disse que ia comprar cigarros e nunca mais voltou.
Sempre serve para alguma coisa. Serviu para eu ver que agüento mesmo. Agüento tudo. Estou de pé, sentada, fumando um cigarro, bebendo e escrevendo em um bar que não é o meu. Agüento mais porrada. Pode bater, filho da puta. Eu sou forte e tenho coragem de dar a minha cara sabendo o quanto dói apanhar.
Ele não. Ele precisa de uma mulherzinha. Mulherzinha causa dorzinha.
Esta é a maior diferença entre nós: eu tenho culhões. Nunca vou fugir da dor. Prefiro ser muito feliz por duas semanas e sofrer por um ano a ter medo e vergonha de me olhar no espelho. Encaro tudo. Vejo com orgulho o meu reflexo, meus olhos inchados e vermelhos, minhas olheiras absurdas. Você fez tudo certo, garota. Você é digna. Você sobrevive ao amor, à dor, à fome. Sobrevive a qualquer surra, qualquer veneno. Você pode chorar e sofrer, mas não foge. Fugir é para os fracos.
Obrigada, querido. Você me deixou mais forte. Obrigada.
.: Clara Averbuck :. 4:41 AM
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