i gave my life to a simple chord

terça-feira, abril 09, 2002

Eu virei uma mendiga.

Mendigos incomodam simplesmente por existir. Podem não feder nem puxar a bainha de quem estiver passando para pedir um troquinho; podem simplesmente estar ali, sentados, quietos, se balançando pra frente e pra trás com o olhar perdido, que causam mal estar, porque ninguém consegue ficar indiferente àquela pessoa se balançando sozinha na sua loucura. Eu causo mal estar. Eu incomodo porque sou mendiga.

Existe este mendigo poliglota. Ele vaga por aí com seus cabelos desgrenhados, suas unhas sujas e seus dentes podres e fala inglês, francês, alemão, italiano e hebraico. Um mendigo que fala hebraico. Ele quer muito conversar, mas ninguém dá bola pra ele porque todos acham que mendigos são loucos e mordem e passam doenças. Tentei falar com ele, mas não falo hebraico, e ele tentou falar hebraico comigo. Depois, tentou italiano. Mas eu não falo italiano. Então ele riu e desistiu. E eu descobri o que significava a palavra escárnio.

Mendigos são tratados como cães. Eu gosto de cães. Eu gosto de cães e gatos e mendigos. Se pudesse, traria todos para minha casa e os trataria como reis. Mas eu também virei uma mendiga. Tenho casa e shampoo e roupas limpas, mas vivo de migalhas e não tenho comida para alimentar meus gatos. Não vivo bem , mas tento convencer a todos que sim, que elas são o suficiente para me dar forças. Mas elas não são. Não posso viver de migalhas, não posso viver de coisas que mal consigo enxergar. Mas tudo bem, eu agüento qualquer coisa. Porque ser mendigo é agüentar qualquer coisa; você não tem escolha. Você está sozinho e não vai ter ninguém pra te ajudar se você cair de cara na lama. Então você caminha até a lama, senta nela, esfrega na cara e levanta, rindo. Porque você pode. Você consegue. Você desafia a sujeira idiota porque sabe que pode ganhar.

Às vezes, você perde. Então, enlouquece.

Mas eu não vou ficar louca. Existe diferença entre ser e estar; então eu até fico, mas é só porque está no meio do caminho. Porque eu não saio do caminho, estou indo para onde tenho que ir, pisando em minas e em poças e em dedos. Eu sei para onde tenho que ir e sei como chegar lá. Tudo faz parte. Então eu agüento. Agüento qualquer coisa, desde que saiba que não é em vão.

.: Clara Averbuck :. 6:20 PM

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