i gave my life to a simple chord

quarta-feira, fevereiro 06, 2002

Vicious

Não gosto de carnaval. Até aí, nenhuma surpresa. Não gosto de Natal, não dou bola para o ano novo, por que seria diferente com o carnaval? Pra mim, são apenas dias em que os bêbados amadores ficam soltos pelas ruas. Dias em que todo mundo solta a franga e faz o que tem vontade de fazer. Dias em que não tem trabalho e não precisa acordar cedo e pode-se beber a vontade. Note que acabo de descrever a minha vida nos últimos meses. Não preciso de nenhuma desculpa moral pra fazer o que estou com vontade. Sim, porque a pior desculpa moral é o cara aparecer na capa do jornal vestindo um sarongue, abraçado em um clone da Carmen Miranda de barba e dizer "mas querida, é carnaval".

O foda é que ultimamente, não tenho feito exatamente o que tenho vontade. Quero beber. Eu *gosto* de beber. E não posso. E não tem nada, nada que me irrite mais do que não poder alguma coisa. Não posso beber. Estou com uma otite imbecil e estou decidida a caber nas minhas calças. Sem contar o fato de que meu fígado é um patê.

Sim, meu fígado é um patê. É o seguinte. Nos meados do século passado, lá por 99, comecei a me sentir mal de manhã. Nesta época, morava em Porto Alegre e trabalhava na Fischer América e tinha pegar dois ônibus para chegar lá. Meu estômago fervia enquanto o ônibus sacolejava e as pessoas se espremiam e o walkman pulava, uma sensação realmente agradável. Até que um dia, não consegui levantar. Só saí da cama para ir ao banheiro abraçar a privada. No outro dia, mesma coisa. E no outro, e no outro. Comecei a chegar atrasada todos os dias e a ficar amarelo-ocre. Então achei que talvez devesse ir ao médico. E fui. E ele me disse que eu estava com algo que poderia virar início de cirrose e que deveria parar de beber e tomar bolas imediatamente e para sempre. Parei de beber imediatamente por quatro meses e fui voltando aos pouquinhos. Mesma coisa com as bolas, que foram as principais responsáveis pelo dissolvimento do meu fígado, já que tomei quase ininterruptamente por sete anos. Como não me senti mal nem mudei de cor, voltei a beber e me emboletar normalmente. Quando mudei para São Paulo, passei a beber como um marinheiro e virei esta orca que vos escreve. Inchei. Sabe baiacu? Pois é. E o pior é que não e a saúde que me incomoda. Estou pouco me importando com isso. O que me incomoda é não caber nas minhas roupas. Be a model or just look like one, garotinha estúpida. Não quero ser uma pessoa saudável e corada. Prefiro morrer feliz aos 50 do que viver até os 102 em uma cadeira de rodas, usando dentadura e sonda depois de ter tido uma vida comedida e sem excessos. Sou a favor de excessos. Não de todos, claro. Sou contra excesso de peso, por exemplo. Mas só em mim. Nos outros eu nem me importo. E devo confessar que tá FODA manter a minha dieta nada-de-álcool-até-caber-na-calça-azul. Mas ela está sendo mantida. Carrot rope.

Não é que eu não consiga ficar sem beber. Eu consigo. Claro que consigo. Só que além de não gostar, não me sinto bem, fico inquieta, parece que falta alguma coisa. Hoje, descobri um dos motivos que me deixa assim. Tem uma coisa que preciso desesperadamente esquecer. Uma coisa que me atormenta e atrapalha minha concentração e meu sono e pipoca na minha cabeça de milisegundo em milisegundo. Um mosquitinho que zumbe coisas no meu ouvido e não me deixa dormir. Não adianta ler, escrever, tocar, cantar, sapatear, dançar polca, fazer duas horas de esteira, levantar muitas libras pesadas. Parece que costuraram meu pensamento. Mais um excesso. Quando bebo, a situação toda muda, parece que as coisas ficam menos graves, mais fofas, eu fico menos tensa e menos reclamona e até sorrio às vezes e tudo fica mais legal. Até o carnaval, que este ano vai ser uma merda.Tudo bem, não ando muito em clima de putaria mesmo, quero ficar quietinha com meus amigos e fim. Mas sem beber é foda. Lei Seca interna. Samba, mulatas, cocos, bêbados pegajosos, turistas gordos, sol, bundas, vou ter que agüentar tudo sóbria. No Rio. É, eu realmente não me esforço em tornar as coisas mais fáceis pra mim mesma.

.: Clara Averbuck :. 4:57 AM

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