i gave my life to a simple chord

sábado, dezembro 15, 2001

Evol viu a uva

Todo mundo sempre me diz que eu reclamo demais. Olha, não tenho culpa que a minha vida é tão surreal. Minha vida é um filme ruim para adolescentes. Um Super-8 de universitários alternativos. Uma piada daquelas que a gente faz um "hah" no final. É foda.

Não bastasse a gripe/amidalite/dores musculares/enxaqueca que me manteve na cama nos últimos dois dias, nasceu uma bolota esquisita debaixo do meu braço. Primeiro era uma bolinha inocente, mas foi inchando, inchando, inchando e ficou do tamanho de uma uva. Sem exagero. Ontem a uva começou a doer e ficar vermelha. Eu, como sou metida a resolver meus próprios problemas, comprei uma seringa de insulina, com uma agulha bem fininha, e tentei drenar o que quer que estivesse recheando aquela uva incômoda. Não rolou: só saiu uma agüinha dolorida e um pouco de sangue. Como se não bastasse, depois disso a uva idiota ficou ainda mais sensível e dolorida, e hoje depois do café a dor ficou insuportável a ponto de interferir nos movimentos do meu braço. Eu estava evitando ir a um pronto socorro porque a situação estava além do ridículo normal. Visualize a cena. Uma sala de espera cheia de pessoas com problemas reais, fraturas, intoxicações, picadas de abelhas africanas, cortes profundos, sangue e sofrimento. “Qual o seu problema, garota?” “Ah, eu tenho uma uva inflamada na axila”. Patético. Mas a dor foi maior do que o pudor e lá fui eu, debaixo de uma senhora chuva torrencial, para o pronto socorro.

Chegando lá, depois de um tempo de espera, o médico japa me chamou (“Carla Gomes!”... Parece que erram meu nome de propósito) e lá fui eu explicar a situação. O doutor não parecia ter dormido uma boa noite de sono e deve ter esquecido de se pentear, de modo que tinha um penacho amassado atrás da cabeça dele. Pensei em avisar, mas achei que a uva já me causava constrangimento suficiente e deixei pra lá. Bem, depois de apalpar e esfregar a uva, o doutor sentou na mesa e me olhou, sério.

“Carla, você tem se depilado ultimamente?”

Pensei em perguntar se eu tinha cara de hippie ou se ele estava vendo algum pêlo nojento na minha axila, mas resolvi deixar de gracinhas para acabar logo com aquilo.

“Sim, doutor.”
“Com gillette?”
“Com cera, doutor.”
“Quente?”
“Fria, doutor.”

Já imaginava onde ele ia chegar com aquilo, mas estava custando a acreditar.

“É, Carla, parece que você deu azar. As chances de infecção com o método que você usa são mínimas, mas aconteceu. Aquilo ali é um pêlo infeccionado.”

“... !”

Pois é, meu amigo. Um pêlo idiota infeccionado me impede de mexer o braço direito.

Você acha que a desgraça pára por aqui? Rá!

Peguei outro táxi na saída do pronto socorro (ainda chovia torrencialmente, sinônimo de goteiras por tooodo o meu quarto) e pedi para que ele parasse em um Itaú no caminho. Paramos no primeiro: tela azul. No segundo: estamos em obras (físicas, cimento e escadas e tudo). No terceiro: “Inicializando sistema”. Note que estou resumindo, estamos falando de São Paulo, e estamos falando de Pinheiros, e estamos falando de uma tarde chuvosa de sábado. No quarto Itaú (da Faria Lima! Praticamente dei a volta ao mundo) consegui tirar dinheiro e pedi pro tio me deixar numa farmácia do lado de casa para comprar o antiinflamatório power (Cefalexina, o mesmo que tomei em um pós-operatório, um milhão de pontos espalhados pelo corpo) e uns outros remédios que o doutor mandou.

Rá! RÁ! RÁ-RÁ-RÁ!

Ele receitou dez caixas.
Cada caixa custa 16 reais.
Eu tinha 12, e pretendia me alimentar com eles.
Oh sim, estou falando de UM dos TRÊS remédios que constavam na receita.

Vim pra casa. Minha cama está molhada por causa da goteira nova. Meu braço dói e eu não tenho dinheiro para comprar remédios. Minha gripe manda lembranças. Minha garota não conseguiu embarcar e está presa em Londres porque os imbecis da British Airways fizeram o dobro de reservas no vôo dela achando que metade das pessoas não compareceria. Meu garoto sumiu e eu me recuso a telefonar porque as coisas têm lá seu limite.

É, a coisa tá feia.

Relembrando que é tudo literal.
Eu não uso metáforas. Elas é que me usam.

.: Clara Averbuck :. 8:48 PM

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