i gave my life to a simple chord

quinta-feira, novembro 08, 2001

Vida de Junkie

Você já amou um remédio? Já amou o efeito de um remédio mesmo que você não precise dele? Quer dizer, não sofro, não sinto dor, meus glóbulos brancos não fogem, não desmaio, sangro ou tenho piripaques se fico sem. Mas amo. Não preciso, mas preciso. Muita gente me pergunta que droga é essa que eu tomo que me mantém acordada e ligadinha, dormindo a cada quarenta e oito horas sem ficar revesgueando por aí. Pois é bem comum: Cloridrato de Anfepramona, Inibex ou Hipofagin, conhecidos inibidores de apetite. Eu costumava tomar Dexedrina ou Efedrina, que são variações da Anfetamina, mas desde que mudei pra São Paulo o acesso ao Dr. Boleta, que me dava a receita do que eu quisesse e quantas quisesse, ficou mais difícil. Então eu tenho me contentado com essas primas das Anfetaminas. Sabe como é, se você não consegue comer a garota, coma a amiga dela que quer te dar.

Tudo começou quando eu tinha dezesseis anos e engordei muito de uma hora para outra, o que realmente me incomodou. Sempre fui – e ainda sou – neurótica com peso e formas, por mais blasé que tente parecer. Esse papo de não seguir padrão de beleza é baboseira. Todas as mulheres querem ser desejadas, sentir-se desejadas. Eu quero. Quero atrair olhares na rua. Claro que não fico contente quando o lixeiro grita um “ÊIBA, GOSTOOOOSA!” pendurado no caminhão só porque estou com os joelhos de fora, mas assumo, quero sim ser gostosa. E não existe isso de ser gostosa para as pessoas certas; ou é, ou não é. E eu estava gorda, muito gorda. Setenta quilos para meu 1.73. Minhas pernas eram duas toras de madeira e parecia que eu estava amamentando de tanto peito acumulado. Isso sem falar na barriga, que formava três pneus, na papada, que surgia nos momentos menos apropriados, nos braços gordinhos... Não era legal. Não estava me sentindo bem.

O pessoal saudável deve estar pensando “mas por que não foi fazer esportes?”. Simples: eu de-tes-to esportes. Detesto. Não me divirto, não adianta. Sem contar o fato de que eu não tenho disciplina nenhuma e para perder peso você precisa manter uma periodicidade. Não ia rolar, definitivamente. Qualquer coisa que esteja perto de ser uma obrigação não-prazeirosa me dá engulhos, e eu não gosto de provocar engulhos a não ser quando bebo demais ou tenho meus momentos Karen Carpenter, mas aí já é outro departamento, o da neurose acentuada e esporádica. Então eu fui passar o ano novo em São Paulo, o que acabou não acontecendo, porque fui para alguma praia cujo nome não faço a menor idéia porque tinha tomado um ácido que me tirou do ar e eu acordei em um camping, em cima de uma mesa de sinuca, com o cabelo e a pele grudentos de mar e as pernas deformadas de picadas de insetos – aliás, esta é uma das minhas poucas lembranças da noite: tudo que pousava em mim tentava me morder, um horror – abraçada na minha bolsa e com uma camiseta molhada do lado (o que me fez concluir que entrei no mar com aquela camiseta, fato mais tarde comprovado por uma foto do último pôr-do-sol daquele ano, tirada de dentro do mar. Não, a câmera não era a prova d’água. Não sei, não sei nada) Estava com um amigo super sutil que ficava dizendo que eu estava gorda e precisava emagrecer, que eu tinha que ser modelo porque tinha o rosto lindo, eu não podia ficar daquele jeito blablaaBLABLAAA. E então eu me rendi e pedi para que ele comprasse boletas. E ele pediu para este outro amigo comprar. E voilá, tinha minha primeira caixa de Inibex por R$32 (um absurdo, mas foi caro porque o garoto conseguiu sem receita). Foi uma beleza, emagreci quinze quilos em dois meses e fui fazer book e fiquei linda e feliz e magra e acordada e woooow, não dormir era legal, eu não queria mesmo dormir, perda de tempo, ficava escrevendo noite adentro e entrando no IRC e indo dormir de manhã para ir à aula de noite e ficar acordada até de manhã ad infinitum. Até acabar minha primeira caixa, o que causou um certo desespero. Tanto pelo medo de virar uma pêra quanto pelo fato de que não queria dormir. Dormir não é legal. E eu fui dando um jeito, enrolando o velho gagá da farmácia da esquina durante anos, até aparecer o Dr. Boleta, que ficava na outra esquina da minha casa. Só alegria, meu amigo.

Quer dizer, só alegria não. Eu sei que isso não é legal. Esses remédios são para quem tem reais problemas de peso e foram feitos para tratamentos temporários a curto prazo. Faz sete anos que uso essas dogras. Não ininterruptamente; algumas vezes achei que estava exagerando e decidi parar para ver se conseguia, para provar que não era nenhuma espécie de drugstore cowboy (O filme! Isso me lembra outra história.Trash. Envolve seringas.) e que podia ficar sem. De fato, podia. Mas logo voltava porque era divertido ou porque engordei ou porque estava com vontade. Um exemplo recente: fui para Londres sem nenhuma espécie de anfetamina e não fazia idéia de como consegui-las por lá. Resultado: engordei nove quilos em menos de um mês, isso que eu não tinha dinheiro para comer e mendigava comida indiana e kitkats. Voltei não cabendo em minhas calças. Não é legal. Agora retomei meu tratamento usual e já perdi seis dos nove, só na base do Inibex, chá de hortelã e subidas e descidas da Vila Madalena, onde moro. O dia em que eu achar que está me fazendo mal, me deixando burra, neurótica, seqüelada ou qualquer coisa assim, paro. Por enquanto, só o meu corpo reclama e o corpo eu costumo ignorar. Enquanto eu puder ficar noites em claro escrevendo e bebendo água, tá valendo. Depois eu vejo o que faço, porque a inconseqüência pode trazer as piores conseqüências, mas a vida não tem a menor graça se vem com cronograma.

.: Clara Averbuck :. 6:02 PM

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